Embora não
previsto expressamente com o nome que lhe foi dado pela doutrina, o princípio
do juiz natural é considerado decorrência de dois direitos fundamentais
previstos na Constituição, quais sejam, o de que ninguém será processado e
julgado por juízo ou tribunal de exceção e o de que ninguém será
processado senão pela autoridade competente (art. 5º, XXXVII e LIII, CF).
O estabelecimento dessas garantias tem por objetivo evitar que determinado fato
seja propositadamente dirigido a uma autoridade especialmente designada para
julgá-lo, colocando em risco ou anulando a imparcialidade do julgamento.
É o
que explica a doutrina, senão vejamos: “Não é possível a determinação de um
juízo “post facto” ou “ad personam”. A determinação do juízo competente para a causa
deve ser feita por critérios impessoais, objetivos e pré-estabelecidos.
Tribunal de exceção é aquele designado ou criado, por deliberação legislativa
ou não, para julgar determinado caso. Os juízes de exceção são juízes “ad hoc”
e estão vedados” (DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v.1.
Salvador: Jus Podivum, 2008, p. 90).
O princípio do juiz natural está intimamente relacionado ao princípio da identidade física do juiz, positivado no art. 132, do CPC/73, segundo o qual o juiz que presidir a audiência de instrução deve ser o mesmo que julgar a causa, garantindo-se, desta forma, que o órgão julgador é aquele que, de fato, esteve presente durante a produção das provas, tendo tido contato direto com elas e com as partes do processo.
A jurisprudência do STJ, no entanto, não considera nenhum destes princípio absolutos, admitindo a flexibilização dos mesmos em situações especiais. O posicionamento do tribunal pode ser verificado em vários julgados, cujos fundamentos são bem resumidos na ementa transcrita a seguir:
"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO MÉDICO. CIRURGIA ORTOPÉDICA. PACIENTE QUE FICOU TETRAPLÉGICA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE POR ESTA CORTE. SENTENÇA PROLATADA POR JUIZ DISTINTO DAQUELE QUE ACOMPANHOU OS ATOS INSTRUTÓRIOS. FLEXIBILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ (ART. 132 DO CPC). REGIME DE EXCEÇÃO/MUTIRÃO. POSSIBILIDADE. PREJUÍZO NÃO EVIDENCIADO. NULIDADE DA SENTENÇA NÃO CONFIGURADA. 1. Hipótese em que se alega, além de divergência jurisprudencial, violação aos princípio do devido processo legal (artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal) e da identidade física do juiz (artigo 132 do Código de Processo Civil), ao argumento de que a sentença foi prolatada por magistrado distinto daquele que colheu as provas periciais e testemunhais, o que teria gerado enormes prejuízos ao recorrente. Pretende-se a determinação de retorno dos autos à primeira instância a fim de ser proferida outra sentença, desta vez, pelo juiz titular da vara que acompanhou a instrução do processo. 2. A insurgência referente à suposta violação do princípio do devido processo legal, constante do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, envolve matéria estranha ao âmbito de cabimento do recurso especial, disposto no artigo 105, inciso III, da Carta da República. Tal irresignação tem como via adequada de revisão, em matéria constitucional, o recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, de forma, que, nesse particular, não merece ser conhecido o apelo especial. 3. Na forma do art. 132 do Código de Processo Civil, o magistrado que concluir a audiência só não julgará a lide se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, caso em que a passará ao seu sucessor. 4. Sob esse enfoque, a Corte Especial deste Tribunal, por ocasião do julgamento do AgRg no Ag 624.779/RS, de relatoria do Min. Castro Filho, firmou entendimento no sentido de que o princípio da identidade física do juiz não tem caráter absoluto, podendo o juiz titular ser substituído por seu sucessor nas hipóteses previstas no artigo 132 do Código de Processo Civil, entre as quais está incluída a expressão "afastado por qualquer outro motivo", a partir da qual pode-se considerar o afastamento do magistrado em decorrência do regime de exceção/mutirão, que visa a agilização da prestação jurisdicional. Precedentes. 5. Além disso, a jurisprudência entende que a simples alegação de afronta ao referido dispositivo legal não tem o condão de acarretar a nulidade da sentença, porquanto imperioso ventilar qual o prejuízo efetivamente sofrido. 6. No caso em foco, verifica-se da leitura dos fundamentos do acórdão recorrido que, indubitavelmente, foram levados em consideração os elementos probatórios produzidos nos autos, dentre eles, documentos, prova testemunhal e pericial, de modo que, em assim sendo, não há como vislumbrar qualquer prejuízo ao recorrente. E, sem prejuízo, não há nulidade. 7. Com efeito, desde que não haja prejuízo para nenhuma das partes, consoante ocorre na espécie, o princípio do juiz natural pode ser flexibilizado, a fim de conferir efetividade ao Judiciário, como nas hipóteses de mutirões. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido" (REsp nº 380.466/PR. Rel. Min. Benedito Gonçalves. Primeira Turma. DJe 22/10/2009).
Afirmativa correta.