Com todo respeito, Gills Vilar-Lopes, e apesar da tua excelente argumentação e levando em conta, ainda, que o raciocínio do examinador foi claramente trilhar o caminho que você descreveu, ainda persiste o erro, sobriamente apontado pelo Márcio Araújo de Jesus, de se confundir e até tomar como sinônimos, inapelavelmente, os conceitos de soberania popular e legitimidade democrática. De fato, sem a soberania popular duradoura e permanente, o sistema democrático inexistiria, pelas mesmas razões do Direito que você expôs e mais ainda pelas razões políticas subsumidas à Constituição e aos próprios princípios do Direito.
Mas, deixemos a análise com base no Direito um pouco de lado e passemos a análise com base na Ciência Política, sobretudo com o nascedouro da democracia liberal dos contratualistas. Tendo em mente que a questão está estruturada em certo ou errado. Temos a primeira parte da questão: "Contemporaneamente, compreende-se a ideia de soberania popular como algo impossível de se ter em caráter permanente ou duradouro (...)" Ora, nem o Direito, muito menos a Ciência Política, compreendem que é impossível, nas sociedade democráticas, a soberania popular ter um caráter permanente e duradouro, pelo contrário, isso é a base da legitimidade dessas sociedades. sem isso, tem-se a ruptura do contrato social e, portanto, da própria legitimidade democrática.
Já aí, a questão deveria ser gabaritada como errada. E a segunda parte da questão afirma: "de modo que os que exercem a autoridade pública não podem pretender dela se apropriar." Ora, se alguém se apropria dessa soberania usurpa a legitimidade democrática e inviabiliza esse mecanismo político. Por isso a questão passa a ideia de que teríamos que analisar se as sociedades democráticas seriam impossíveis ou não de existirem, mesmo que apenas no âmbito da ideologia liberal.
Parece-me que pelo conhecimento estabelecido, tanto no Direito como na Ciência Política, e nesse caso é até possível - e necessário - que se faça uma crítica profunda da ideologia liberal, não é possível que se negue a possibilidade da existência das sociedades democrático-liberais. Por isso eu gabaritaria a questão como errada.
Veja, a elaboração da questão apresenta problema sim e é, no mínimo, questionável. E o Cespe, ou Cebraspe, faz muitas questões desse tipo, que no limiar, tanto podem ser compreendidas por uma linha de raciocínio legitimador de uma dada realidade ou leitura, como por uma linha contestadoura e crítica. E isso não deveria constar em concurso público, porque beira a uma pegadinha ao invés de medir conhecimento e percepção.