O conceito de norma é central para compreender as estratégias biopolíticas, desenvolvidas no século XIX, dedicadas ao amplo mundo dos "anormais" ou "degenerados". A ideia de degeneração remete a um processo de degradação patológica do tipo normal e primitivo da humanidade que é transmitido hereditariamente, provocando uma afecção de ordem física, intelectual e moral (CARTRON, 2000; CHRISTIAN, 1892). Nas palavras de Morel, "a degeneração refere-se a todo e qualquer desvio doentio (patológico, diríamos hoje) e hereditário do tipo normal da humanidade" (MOREL, 1857, p. 15).
(...)
A partir da publicação do Tratado de Morel (1857), será configurado um novo modo de pensar as doenças mentais que inclui, junto com os delírios e as alucinações, um conjunto de comportamentos e de características físicas consideradas como desvio patológico da normalidade. É o início de uma nova representação das patologias que dará lugar a um conjunto de trabalhos e de estudos que se inscrevem dentro da chamada teoria da degeneração. Ian Hacking (2000) dirá que nesse momento surgirá um verdadeiro "programa de pesquisa" capaz de concentrar os esforços de médicos, higienistas, juristas e psiquiatras que compartilhavam uma mesma preocupação: a de definir a abrangência e os limites do conceito de degeneração. Foucault entende que: "a degeneração é a peça teórica maior que permite a medicalização do anormal. O degenerado é o anormal miticamente - ou, se vocês preferem, cientificamente - medicalizado" (FOUCAULT, 1999, p. 298).
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312009000200016
Biopoder = Bipolítica + Anátomo-política (anatomo -> corpo, portanto indivíduo, portanto disciplina).
Biopolítica se caracteriza por fenômenos populacionais, coletivos, estatísticos e no âmbito da prevenção.
Poder Disciplinar se caracteriza individualização, por espaços restritos (hospital, escola...), pelo exame e pela normalização individual. Quanto a esta última característica, se busca corrigir desvios, ou seja, se estabelece o que é normal (saber fazer cálculos básicos até 10 anos, exemplo), se procede o exame, se a criança é bem sucedida tudo certo, se é mal sucedida se busca corrigir (leia-se normalizá-la, devolvê-la a norma) com mais aulas, por exemplo. Se não o for possível, no pensamento do século XIX, seria o caso de afastar do meio escolar normal, para não causar sofrimento a essa criança nem atrapalahar os demais (esse longo exemplo ajuda a compreender o biopoder que é pedido na questão).
O que pede a questão tange ao Bipoder (disciplina + biopolítica), ou seja, não se está falando de um saber-poder puramente no âmbito individual. Mas sim de uma ampla tecnologia que atua, de fato, através dos indivíduos, mas busca o controle de variáveis em âmbito coletivo/populacional. O enunciado é mais explícito quando fala em "higiene das raças" e "controle de anomalias" "perigosas à ordem social". Ou seja, não está falando do nível individual e espaços específicos em que se situam os manicômios e o panoptismo das letras A e B.
Esse biopoder trata-se da busca por uma população forte e saudável (uma raça forte/higidez da raça), como se faz isso? Através do controle populacional, mantendo-se um nível estatístico considerado normal de indivíduos não saudáveis, ou seja, o mínimo possível (perceba que a definição de normal aqui é diversa do poder disciplinar).
Portanto, é o controle hereditário que se encaixa nesse contexto. Deve-se levar em conta que o que é mencionado na questão é uma abordagem ultrapassada que visava combater a "degeneração" da raça atribuindo a doenças como tuberculose, lepra e sífilis as causas dos males sociais por transmitirem hereditariamente desvios aos indivíduos, desvios tanto psíquicos como físicos. Esse pensamento da degenerescência é o que embasou as correntes eugenistas ao longo da primeira metade do século XX.
Apenas para resumir, o biopoder admite a dimensão individual do poder disciplinar, mas ele (biopoder) se caracteriza pela junção deste com a biopolítica. A ausência do conjunto de tecnologias no âmbito populacional é insuficiente para falar em biopoder.