A discussão sobre a arbitrariedade moral
Rawls apresenta essa discussão, comparando várias teorias diferentes de justiça, a começar pela aristocracia feudal. Hoje ninguém considera justas as aristocracias feudais ou os sistemas de castas. Esses sistemas são injustos, observa Rawls, porque distribuem renda, riqueza, oportunidade e poder de acordo com o nascimento. Se você nascer na nobreza, terá direitos e poderes que serão negados àqueles que nascerem na servidão. Mas as circunstâncias do nascimento não dependem de você. Portanto, não é justo que suas perspectivas de vida dependam desse fato arbitrário.
As sociedades de mercado atenuam essas arbitrariedades, pelo menos até certo ponto. Elas permitem àqueles que possuem as aptidões necessárias seguir qualquer carreira profissional e garantem a igualdade perante a lei. Os cidadãos têm garantidas as mesmas liberdades básicas, enquanto a distribuição de renda e riqueza é determinada pelo livre mercado. Esse sistema — o do livre mercado com oportunidades formalmente equânimes — corresponde à teoria libertária de justiça. Ele representa o aperfeiçoamento das sociedades feudais e de castas, pois repudia as hierarquias determinadas pelo nascimento. Em termos legais, permite que todos possam se esforçar e competir. Na prática, entretanto, as oportunidades estão longe de ser iguais.
Aqueles que podem ser sustentados pela família e têm uma boa educação têm vantagens óbvias sobre os demais. Permitir que todos participem da corrida é uma coisa boa. Mas se os corredores começarem de pontos de partida diferentes, dificilmente será uma corrida justa. É por isso, argumenta Rawls, que a distribuição de renda e fortuna que resulta do livre mercado com oportunidades formalmente iguais não pode ser considerada como justa. A injustiça mais evidente do sistema libertário “é o fato de ele permitir que a divisão de bens seja indevidamente influenciada por esses fatores tão arbitrários do ponto de vista moral”.
Uma das formas de se remediar essa injustiça é corrigir as diferenças sociais e econômicas. Uma meritocracia justa tenta fazer isso, indo além da igualdade de oportunidades meramente formal. Ela remove os obstáculos que cerceiam a realização pessoal ao oferecer oportunidades de educação iguais para todos, para que os indivíduos de famílias pobres possam competir em situação de igualdade com os que têm origens mais privilegiadas. Ela institui programas assistenciais para famílias de baixa renda, programas compensatórios de nutrição e de saúde para a infância, programas educacionais e de treinamento profissional — tudo o que for preciso para que todos, independentemente de classe ou situação familiar, tenham acesso ao mesmo ponto de partida.
Michael J. Sandel (tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo). Justiça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015 (com adaptações).
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A ética de cunho filosófico é tida como universal.