O ocaso do século XX deixou como herança contracorrentes
regeneradoras. Frequentemente, na história, contracorrentes suscitadas em reação às correntes dominantes podem-se desenvolver e mudar o curso dos acontecimentos. Devemos considerar:
• a contracorrente ecológica que, com o crescimento das degradações e o surgimento de catástrofes técnicas/industriais,
só tende a aumentar;
• a contracorrente qualitativa que, em reação à invasão do
quantitativo e da uniformização generalizada, se apega à qualidade
em todos os campos, a começar pela qualidade de vida;
• a contracorrente de resistência à vida prosaica puramente
utilitária, que se manifesta pela busca da vida poética,
dedicada ao amor, à admiração, à paixão, à festa;
• a contracorrente de resistência à primazia do consumo padronizado, que se manifesta de duas maneiras opostas: uma
pela busca da intensidade vivida (“consumismo”); a outra
pela busca da frugalidade e da temperança;
• a contracorrente, ainda tímida, de emancipação em relação
à tirania onipresente do dinheiro, que se busca contrabalançar
por relações humanas e solidárias, fazendo retroceder o
reino do lucro;
• a contracorrente, também tímida, que, em reação ao desencadeamento da violência, nutre éticas de pacificação das
almas e das mentes.
Pode-se igualmente pensar que todas as aspirações que nutriram
as grandes esperanças revolucionárias do século XX, mas
que foram frustradas, poderão renascer na forma de nova busca
de solidariedade e de responsabilidade.
Poder-se-ia esperar, igualmente, que a necessidade de volta
às raízes, que mobiliza hoje fragmentos dispersos da humanidade
e provoca a vontade de assumir identidades étnicas ou nacionais,
pudesse aprofundar-se e ampliar-se, sem negar-se a si mesmas,
nesta volta às raízes, ao seio da identidade humana de
cidadãos da Terra-pátria.
Pode-se esperar uma política a serviço do ser humano,
inseparável da política de civilização, que abriria o caminho para
civilizar a Terra como casa e jardim comuns da humanidade.
Todas essas correntes prometem intensificar-se e ampliar-se ao longo do século XXI e constituir múltiplos focos de transformação, mas a verdadeira transformação só poderia ocorrer com
a intertransformação de todos, operando assim uma transformação
global, que retroagiria sobre as transformações individuais.
Edgar Morin
Os sete saberes necessários
à educação do futuro
© UNESCO 1999
© UNESCO/Cortez Editora 2000, edição brasileira