Ao contrário do que se afirma, o “aproveitamento que os
Tropicalistas fazem das culturas estrangeiras" aproxima-os dos modernistas de
1922, e não os “distancia", como se apresenta no comentário da questão. Para
melhor entender a forte conexão dos tropicalistas com os primeiros modernistas,
basta recorrermos a um fato literário de suma importância para a produção do
saber artístico brasileiro no século XX: o conceito de antropofagia,
desenvolvido pelo escritor Oswald de Andrade.
Tal como defendia Oswald, a antropofagia consistia na concepção da
apropriação de culturas outras à cultura nacional. Assim, quanto mais aglutinássemos
os estrangeiros aos brasileiros, e o Brasil das capitais aos Brasis regionais,
mais o sentido do nacional e do artístico estariam fortalecidos. Não por acaso,
Andrade empregava a metáfora do “deglutir" ou “devorar" para melhor esclarecer que
devemos “comer" o externo, ingeri-lo, ou ainda, incorporá-lo ao interno – assim
seria, segundo o escritor, a própria essência das artes e da identidade brasileira,
um misto de primitivo e moderno; nacional e estrangeiro; rural e urbano.
O manifesto antropófago, escrito em 1928, por suas considerações do
que seria arte e brasilidade inspirou sobremaneira o projeto cultural dos tropicalistas,
na segunda metade do século XX, visto que estes fundam uma
nova identidade para a nossa música, em que se reconhecem produções tipicamente
brasileiras, como samba, o forró e o baião, por exemplo, vinculados aos estilos
musicais e artísticos internacionais, como o rock, o pop, o pop art e o
concretismo. Assim, o Tropicalismo se expandiu para um conceito, o de ser livre
e libertário, influenciando comportamentos morais e culturais na sociedade
brasileira da época, como a contracultura hippie, só para citar algum.
Em
resumo, a Tropicália foi um movimento musical que se embasou em conceitos
literários e na ideia de desconstrução dos padrões estéticos, fundada pelas
vanguardas europeias. O seu fim se deu com a prisão de Gilberto Gil e de
Caetano Veloso, em dezembro de 1968, por ocasião da Ditadura Militar. No
entanto, mesmo com tão pouco tempo de duração – cerca de um ano – a música
popular brasileira nunca mais seria a mesma com a grande contribuição dos
tropicalistas ao cenário artístico-cultural brasileiro.
Em
relação aos textos apresentados para análise do comentário, verifica-se a
estrita relação entre eles no que diz respeito à incorporação do elemento
estrangeiro à cultura brasileira, tal como se pregava no manifesto antropófago de
1928 e, depois, no Tropicalismo, de 1968. No texto 1, por exemplo, sinaliza-se
o próprio caráter “bifronte" dos tropicalistas, ora de esquerda, ora de
direita; ora dados ao “ao som da guitarra", ora ao “à cultura de massa".
Importante ressaltar a imagem que serve de exemplo ao fim do texto para
reforçar a contribuição dos tropicalistas: Caetano Veloso cantando em inglês
com pronúncia nordestina. Todas essas menções, presentes no primeiro texto,
dialogam com o segundo, justamente um fragmento da canção “Tropicália",
composta por Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda. Na primeira estrofe, já
se encontra uma visão “antropofágica" do espaço brasileiro, ora sendo
articulada a uma imagem futurista e urbana dos “aviões sobre a cabeça"; ora a
uma imagem mais interiorana, já que o nariz do eu lírico aponta para os
chapadões; ora os pés vinculados aos caminhões, que nos lembram trabalhadores operários,
os quais cruzavam o país, muitos deles a serviço da construção de Brasília. Na
segunda estrofe da música, esse mesmo eu é “muitos outros", já que “organiza o
movimento", “orienta o carnaval" e “inaugura um monumento no Planalto Central".
Nessa canção, portanto, a consciência de que o estrangeiro faz parte da
essência formadora do eu está presente tanto nas visões de um Brasil múltiplo,
quanto nos elementos que nos identificam imediatamente a presença do
estrangeiro na canção– como o carnaval, o monumento e os aviões.
Por
todas essas razões, reafirma-se que os modernistas de 1922 são muito próximos
dos tropicalistas, sendo esse elo reforçado, sobretudo, pela concepção de
antropofagia e pela reavaliação do conceito de brasilidade, explorada tanto na
Literatura modernista quanto na música popular brasileira. Pode-se, inclusive,
afirmar que um grande objetivo do Tropicalismo, em diálogo com o que se
defendia pelos modernistas de 1922, era o de buscar transformar a intensa
influência da cultura estrangeira em algo bem brasileiro e inovador.
Resposta:
ERRADO