É bem verdade que Literatura da
segunda metade do século XIX, mais especificamente o Realismo e o Naturalismo, apresentam
uma abordagem estética pautada na retórica da ciência, a qual “imprime ao narrador uma voz objetiva,
destituída de juízos de valor", tal como se afirma no comentário da questão. No
entanto, não é o que ocorre no trecho destacado pela banca.
Notemos
que o narrador, ao descrever a personagem de quinze anos, emprega a expressão “moreno
quente" para caracterizar não só a cor de sua pele – o que poderia nos conduzir
a um procedimento naturalista de pretensa “objetividade" –, mas também, e
principalmente, para sugerir certa sensualidade exalada pela pele da menina.
Sendo ela uma jovem recém saída da infância, em idade de adolescência, pode-se
inferir, inclusive, que o aspecto sensual de seu corpo seja praticamente genético,
como se “brotasse" sem o controle da menina. Tais hipóteses de leitura podem
ser confirmadas pelos termos empregados na continuidade da descrição, já que “beiços
sensuais" e “olhos luxuriosos de macaca" reforçam traços físicos em relação aos
quais se pretende apresentar como já “impregnados" de elementos sexuais, o que
permite a quem narra não só construir um julgamento como se fosse um fato, mas
sobretudo incorporar ao seu texto também o aspecto moral, na verdade, sugerido
como imoral, na composição da personagem. O término da caracterização, então, é
plenamente avaliativo, mas repare que ele só foi inserido posteriormente a
sequência descritiva em que a pretensa imparcialidade se mesclava à opinião. Ou
seja, o narrador habilmente “preparar" o leitor para que este, gradualmente, vá
entendendo que o que se lê sobre a personagem é uma descrição objetiva, que não
fere a verdade (como ela pudesse ser uma só) e, desse modo, quando chegar ao
final do texto, já convencido da leitura de uma verdade, possa assumir um
discurso integramente opinativo como um relato de um fato verídico.
Não por
acaso, no texto de Alfredo Bosi, sobre escritores naturalistas e realistas,
afirma que o determinismo é o fio condutor de suas narrações, por outro lado a
preferência aos ambientes urbanos, diferentemente dos autores românticos, constrói-se
mais por uma “não identificação do escritor realista com aquela vida e aquela
natureza transformadas pelo positivismo em complexos de normas e fatos
indiferentes à alma humana". Ou seja, há que se tecer as tramas naturalistas e
realistas mostrando como elas podem provocar certa perplexidade nos leitores para
identificar-lhes o horror que se forma, na paisagem urbana de final dos
oitocentos, com as influências das ideologias positivistas e cientificistas.
Tendo em vista esses aspectos da realidade sociocultural
e, de certa forma, sua permanência na sociedade do Brasil do século XXI, faz-se
necessário que os fundamentos da estética realista e naturalista estejam
presentes em um texto que pensa o currículo escolar, como a BNNCC, uma vez que
um estudante não pode sair da escola sem compreender como certos conceitos de
outrora ainda repercutem – dentro ou fora das representações artísticas – na construção da ideia de ser brasileiro na
contemporaneidade.
Por todas
essas razões, verifica-se que se erra, no comentário da banca, quando se afirma
que a voz do narrador, na descrição da jovem de quinze anos, está “destituída
de juízo de valor", sendo, portanto, o comentário avaliado como incorreto.
Resposta:
ERRADO.