Lembro, a propósito, uma cerimônia religiosa a
que assisti na noite de Santo Antônio de 1975 quando
presente a uma festa em honra do padroeiro. Ia a
coisa assim bonita e simples, até que, recitadas as
cinco dezenas de ave-marias e os seus padre-nossos,
chegou a hora do remate com o canto da salve-rainha.
O capelão começou a entoar nesse instante hino à
Virgem, em latim “Salve Regina, mater misericordiae”,
e, o que eu estranhei, foi seguido de pronto sem
qualquer hesitação pelos presentes. Depois veio o
espantoso para mim: a reza, também entoada, de
toda a extensa ladainha de Nossa Senhora igualmente
em latim. Eu olhava e não acabava de crer: aqueles
caboclos que eu via mourejando de serventes
nas obras do bairro estavam agora ali acaipirando
lindamente a poesia medieval do responso.
BOSI, A. Dialética da colonização. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
O estranhamento do autor diante da cerimônia
relaciona-se ao encontro de temporalidades que