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ID
5559079
Banca
CESPE / CEBRASPE
Órgão
SEDUC-AL
Ano
2021
Provas
Disciplina
Literatura
Assuntos

Teoria do medalhão

(diálogo)


    — Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que, meu peralta, chegaste aos teus vinte e um anos. Há vinte e um anos, no dia 5 de agosto de 1854, vinhas tu à luz, um pirralho de nada, e estás homem, longos bigodes, alguns namoros...

     — Papai...

     — Não te ponhas com denguices, e falemos como dois amigos sérios. Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos. Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há infinitas carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a primeira sílaba do nosso destino. (...) Mas qualquer que seja a profissão da tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum. (...)

     — Sim, senhor.

     — Entretanto, assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição. É isto o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade.

     — Creia que lhe agradeço; mas que ofício, não me dirá?

     — Nenhum me parece mais útil e cabido que o de medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti. Ouve-me bem, meu querido filho, ouve-me e entende. (...)

     — Entendo.

     — Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente (...).

     — Mas quem lhe diz que eu...

    — Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. Não me refiro tanto à fidelidade com que repetes numa sala as opiniões ouvidas numa esquina, e vice-versa, porque esse fato, posto indique certa carência de ideias, ainda assim pode não passar de uma traição da memória. Não; refiro-me ao gesto correto e perfilado com que usas expender francamente as tuas simpatias ou antipatias acerca do corte de um colete, das dimensões de um chapéu, do ranger ou calar das botas novas. Eis aí um sintoma eloquente, eis aí uma esperança. No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas ideias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. As ideias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as soframos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto.


Machado de Assis. Teoria do medalhão. In: 50 contos escolhidos de Machado de Assis. Seleção, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 82-83 (com adaptações).  

Considerando o texto Teoria do medalhão e o conjunto da obra de Machado de Assis, julgue o item a seguir, quanto à relação entre a ironia machadiana e o veio satírico presente em obras de diferentes contextos e épocas da literatura brasileira.


Comparando-se a ironia com que Machado de Assis apresenta os representantes da elite local à sátira feita pelos árcades aos representantes da coroa portuguesa, conclui-se que, nos dois casos, os autores estão em oposição à ordem social estabelecida. 

Alternativas
Comentários
  • Sobre a questão, a primeira afirmação está correta, já que Machado de Assis realmente faz uma análise social de sua época, tecendo duras críticas à elite oligárquica e patriarcal do Império, sempre com muita ironia e sarcasmo. Ele de origem pobre e sendo mestiço, conseguiu ascender na sociedade por meritocracia, mas nunca foi maculado por ela, diferentemente de outros escritores da época, que já nasceram bem estabelecidos socialmente e criticavam uma realidade a qual eles mesmos estavam inseridos.

    No entanto, o mesmo não ocorre no arcadismo, o próprio nome já remete a Arcádia, cidade da Grécia Antiga, e é justamente isso que caracteriza o Arcadismo: o Neoclassicismo. Ele está posicionado como um movimento pós Barroco e pré Romantismo. Embora devemos sempre lembrar que na literatura existem fases de transição e coexistência de estilos. O Arcadismo é um movimento de oposição ao exagero do Barroco, buscando e supervalorizado a vida pastoril, bucólica, campestre, a natureza, sendo oposto a vida conturbada das cidades e dos exageros (em todos os níveis) do barroco. Expressões comuns desse movimento: Locus Amoenu, Fugere Urbem, Inutilia Truncat, Carpe Diem.

    Em uma fase mais madura realmente há a elaboração de obras satíricas também, principalmente em Portugal, um dos representantes da Nova Arcádia, Manuel Maria Barbosa Bocage, criticava a igreja através de sátiras. Mas esta sátira não tem como objetivo uma critica à ordem política e social tal qual Machado de Assis.

  • Tomás Antonio Gonzaga, em Cartas chilenas, também se opõe à ordem social estabelecida...

  • No brasil, grande parte dos autores arcadistas estão ligado ao movimento da inconfidência mineira. Há autores que sugerem que a oposição entre cidade e campo no brasil ganhou novos rumos: oposição entre metrópole e colônia