Abordarei neste comentário ao gabarito da questão dois temas afins e que são sempre lembrados pelas bancas examinadoras: a) natureza jurídica do orçamento público; b) controle de constitucionalidade das leis orçamentárias.
A natureza jurídica do orçamento já foi muito discutida. Em verdade, este de longe é tema pacífico na doutrina. Muitos entendem que hoje a lei orçamentária já pode ser considerada lei material, mas esta, advirto desde já, que esta corrente doutrinária não deverá ser adotada em concursos públicos. Vamos entender essa polêmica.
No Brasil, podemos identificar três principais correntes quanto a natureza jurídica da lei orçamentária: i) a que diz que ela seria ato administrativo; ii) a de que ela seria lei meramente formal; iii) e, finalmente, a de que ela seria tanto lei em sentido material e formal.
Como a Constituição Federal, em seu art. 165, diz de plano que teremos três leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA), podemos descartar a teoria que advoga possuir tal lei natureza jurídica de ato administrativo.
Contudo, a lei orçamentária não possui a abstração das leis convencionais. Assim, não criam direitos subjetivos, regulamentando situações de forma abstrata e genérica. Em verdade, quanto ao seu conteúdo, mais se parecem com atos administrativos. Elas disciplinam situações específicas e não modificam outras leis.
Por conta destas peculiaridades, muitos se perguntavam qual seria sua natureza jurídica. Por todos, para fins de provas de concursos públicos, colacionarei a definição do professor Ricardo Lobo Torres:
“A teoria de que o orçamento é lei
formal, que apenas prevê as receitas públicas e autoriza os gastos, sem criar
direitos subjetivos e sem modificar as leis tributárias e financeiras, é, a
nosso ver, a que melhor se adapta ao direito constitucional brasileiro."
Com base nisto, passarei ao comentário das alternativas da questão:
A) é lei formal, que apenas prevê as receitas públicas e autoriza os gastos, sem criar direitos subjetivos e sem modificar as leis tributárias e financeiras
Conforma explicado, está correto!
B) é lei material e, portanto, cria direitos e inova quanto às leis financeiras, notadamente no campo do Direito Tributário, com o princípio da anualidade
O início da questão, que diz ser lei material, até encontra amparo na doutrina mais moderna. Contudo, quando diz que inova no campo tributário, e ainda resgata o princípio da anualidade, se perdeu por completo. Errado.
C) não é lei formal nem material, mas lei sui generis, tendo natureza administrativa, no que respeita à despesa, e lei material, no tocante à autorização para a cobrança de tributos
Está errado, mas até lembra a definição de Léon Duguit, que diz ser a lei orçamentária em relação às despesas ato administrativo, e em relação às receitas lei formal.
D) embora seja aprovado como lei formal, tem natureza de ato administrativo, cujos fundamentos vinculam à Administração Pública, sendo de execução e observância obrigatórios
Errado, principalmente quando diz que toda a lei orçamentária é vinculante, sendo de execução obrigatória. .
E) embora tenha a forma de lei, aplica-se como um regulamento administrativo referente ao auferimento de receitas e à realização das despesas públicas
Errado, pelos motivos já explicado.
Essa discussão ganha relevo quando se discute a possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias. Já que estamos falando sobre este tema...
Num primeiro momento, o Supremo entendia
que a lei orçamentária era lei somente quanto a sua forma, pois materialmente
possuiria natureza de ato administrativo.
Esse entendimento do STF foi veiculado na
ADI 2.057, quando instado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de uma
determinada emenda parlamentar a uma lei orçamentária. Ao entender que seria
ato de natureza concreta, o Supremo disse que a LO não poderia ser objeto de
controle de constitucionalidade, pois, repita-se, não possuiria a abstração
própria das leis.
Contudo, no julgamento da ADI 2.925, em
2003, o Supremo começa a mudar um pouquinho o seu entendimento acerca da
possibilidade de controle concentrado das leis orçamentárias. A ação foi
proposta contra a Lei Orçamentária 10.640/2003, que determinou a desvinculação
de parte das receitas a serem arrecadadas com a CIDE Combustíveis. O STF, ao
julgar procedente a ADI 2.925, reafirma seu entendimento anterior, mas faz a
ressalva que, com relação especificamente a esta Lei Orçamentária, na parte que
trata da desvinculação de receita da CIDE, ela possuiria generalidade,
abstração e impessoalidade, requisitos necessários para que a lei fosse objeto
de controle concentrado de constitucionalidade.
Percebam que o STF não abandonou, ainda,
os requisitos de modo a aceitar o controle de constitucionalidade de toda e
qualquer lei orçamentária. Ele disse apenas que aquela LO, em específico na
parte que tratava da CIDE, era formal e materialmente lei, ou seja, possuiria a
abstração necessária para ser objeto de controle.
A grande virada no entendimento do STF
veio em 2008 com o julgamento da Lei 11.685/2008, nascida da conversão da MP
405/05, que determinara a abertura de créditos extraordinários sem que
estivessem presentes os requisitos constitucionais para tanto, previstos no
art. 167, §3º da Constituição: calamidade pública, guerra ou comoção interna.
Contra essa norma foi ajuizada a ADI
4.048, decidindo o Plenário do Supremo, ao dar provimento ao pedido de
declaração de inconstitucionalidade, que o simples fato de ser a norma
formalmente lei já era suficiente para ser objeto de controle concentrado de
constitucionalidade, sem que seja necessário que se analise sua abstração.
Disse, ainda, o STF que saber se
determinada norma possuiria abstração, generalidade e impessoalidade para fins
de controle de constitucionalidade somente seria relevante quando se tratasse
de norma infralegal.
Como no caso tratava-se de uma lei formal, já bastava que fosse objeto de
controle concentrado de constitucionalidade.
Até aí muitos pensavam na doutrina que se
tratava de um distinguish do Supremo na sua jurisprudência (e
alguns até hoje pensam assim). Contudo, ele reafirma o novo posicionamento
acima transcrito no julgamento da ADI 4.049, que atacou a MP 402/2007,
convertida na Lei 11.656/2008, pelos mesmos motivos aludidos na ADI que a
precedeu (abertura de créditos extraordinários ao arrepio dos requisitos
constitucionais).
Consolidando, então, a evolução do
entendimento do Supremo, ficaríamos assim:
•ADI 2.057 (1998) - Não pode por não
possuir abstração;
•ADI 2.925 (2003) - Pode se no caso em
específico possuir abstração;
•ADI 4.048 (2008) - Basta ser lei formal,
independente de possuir ou não abstração
Resposta: A
Resposta gabarito A
Comentário por Marcello Leal
A) é lei formal, que apenas prevê as receitas públicas e autoriza os gastos, sem criar direitos subjetivos e sem modificar as leis tributárias e financeiras
Conforma explicado, está correto!
B) é lei material e, portanto, cria direitos e inova quanto às leis financeiras, notadamente no campo do Direito Tributário, com o princípio da anualidade
O início da questão, que diz ser lei material, até encontra amparo na doutrina mais moderna. Contudo, quando diz que inova no campo tributário, e ainda resgata o princípio da anualidade, se perdeu por completo. Errado.
C) não é lei formal nem material, mas lei sui generis, tendo natureza administrativa, no que respeita à despesa, e lei material, no tocante à autorização para a cobrança de tributos
Está errado, mas até lembra a definição de Léon Duguit, que diz ser a lei orçamentária em relação às despesas ato administrativo, e em relação às receitas lei formal.
D) embora seja aprovado como lei formal, tem natureza de ato administrativo, cujos fundamentos vinculam à Administração Pública, sendo de execução e observância obrigatórios
Errado, principalmente quando diz que toda a lei orçamentária é vinculante, sendo de execução obrigatória. .
E) embora tenha a forma de lei, aplica-se como um regulamento administrativo referente ao auferimento de receitas e à realização das despesas públicas
Errado, pelos motivos já explicado.