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ID
1409914
Banca
IBFC
Órgão
ILSL
Ano
2013
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                    O ORADOR

Rubem Braga

      Ônibus pintados de vermelho e amarelo, automóveis, caminhões se cruzam na manhã paulistana. Entre plátanos e palmeiras passam normalistas, e ora atravessam zonas de sombra clara, ora seus cabelos brilham ao sol. Há homens rápidos. Tudo está amanhecendo com tanta força, que eu também amanheço de remotas aflições, eu emerjo com energia das sombras da noite e me planto na varanda, ao sol. Vou ao chuveiro, a água me bate com força alegre, volto à minha varanda alta, sobre os veículos e os transeuntes matinais, tenho a vontade insensata de fazer discursos.
      “Paulistas! Mais um dia amanhece!” Seria preciso fazer um discurso assim, seria preciso ter uma voz poderosa e firme, capaz de deter os transeuntes – para lhes anunciar esta manhã, a sua glória e potência, e lhes dar a todos a consciência clara da manhã. frases bem lavadas, úmidas de vigor matinal.
      “Paulistas!” O homem de chapéu se deteria atônito, a normalista de cabelos castanhos, rindo, diria para a outra, me apontando – “olhe um homem maluco” (mas depois as duas ficariam sérias), e o rapaz de roupa cinzenta recearia que eu me fosse lançar da varanda ao solo para me matar, talvez caísse em cima dele.
      “Paulistas! Vossa clara e forte manhã me faz bem, e digo ao povo e digo aos poderosos caminhões, e às grandes árvores e ao sol: obrigado! E à brisa da manhã eu agradeço e digo: leva para longe, leva pelos ares cheios de sol os restos de minha tristeza noturna, lava o ar e a alma deste homem, brisa! Eu estou sólido e limpo! Respiro fundo, tenho prazer em respirar e viver, sou capaz de fazer a justa guerra e empreender imediatamente a reconstrução das cidades, vou embarcar nas monções, trarei pedras e índios e horizontes largos – contai comigo, manhã paulista!”
      Mas permaneço calado, de pé, parado, ao sol, na varanda, perante as árvores altas, mais alto que as árvores mais altas. Dissipam-se em mim os venenos da noite. Talvez apenas o meu corpo estremeça um pouco. Talvez apenas eu receie sair da zona do vento e da luz, reentrar na sombra do quarto, reencontrar no espelho o homem torturado e vazio, aquele cujo coração alguém pôde apertar nas mãos de unhas finas, dolorosamente, e jogá-lo ao chão como se fosse um lenço usado, aquele a quem no fundo da noite deram a beber os filtros da melancolia – aquele homem fraco e aflito, aquele insensato.

Considere as afirmações abaixo.

I. O narrador sentiu-se renovado ao amanhecer, depois de uma noite sofrida.
II. A vontade de discursar na varanda nasceu da dor que estava sentindo por ter sido abandonado por sua mulher.

Está correto o que se afirma em

Alternativas
Comentários
  • Item I -

    Tudo está amanhecendo com tanta força, que eu também amanheço de remotas aflições, eu emerjo COM ENERGIA das sombras da NOITE e me planto na varanda, ao sol.

  • Letra A.

     

    I. O narrador sentiu-se renovado ao amanhecer, depois de uma noite sofrida. - Certo: "Tudo está amanhecendo com tanta força, que eu também amanheço de remotas aflições, eu emerjo com energia das sombras da noite e me planto na varanda, ao sol."
    II. A vontade de discursar na varanda nasceu da dor que estava sentindo por ter sido abandonado por sua mulher. - Errado, mesmo trecho que responde o item anterior, pois no trecho a seguir só mostra a causa de sua dor, não o que o motivou a discursar: "Talvez apenas eu receie sair da zona do vento e da luz, reentrar na sombra do quarto, reencontrar no espelho o homem torturado e vazio, aquele cujo coração alguém pôde apertar nas mãos de unhas finas, dolorosamente, e jogá-lo ao chão como se fosse um lenço usado, aquele a quem no fundo da noite deram a beber os filtros da melancolia"

  • "tenho a vontade insensata de fazer discursos.
    ...
     Mas permaneço calado, de pé, parado, ao sol, na varanda, perante as árvores altas, mais alto que as árvores mais altas. Dissipam-se em mim os venenos da noite."

    Descordo do gabarito, pois no começo do último paragráfo o autor afirmar "Mas permaneço calado", dando a entender que apesar da vontade não teve coragem, força para ter verbalizado seu discurso. Sendo assim, ele não se sentiu renovado de fato, o que é corroborado pelo trenho "Dissipam-se em mim os venenos da noite."