No  primeiro  dia,  foi  o  gesto  genial.  Era  um  domingo.  Ao  se  curvar  no  campo  do  estádio  espanhol  descascar  a  banana,  comê-la  de  uma  abocanhada  e  cobrar  o  escanteio,  Daniel  Alves  assombrou  o  mundo.  Não  só  o  mundo  do  futebol,  esse que chama juiz de “veado" e negro de “macaco" . O  baiano  Daniel,  mestiço  de  pele  escura  e  olhos  claros,  assombrou  o  mundo  inteiro  extracampo.  Vimos  revimos  a  cena várias  vezes.  “Foi  natural  e  intuitivo" ,  disse  Daniel,  o  lateral  direito  responsável  pelo  início  da  virada  do  Barcelona  no  jogo  contra  o  Vilarreal.  Por  isso  mesmo,  por  um  gesto  mudo,  simples, rápido e aparentemente sem raiva, Daniel foi  pop, simbólico, político e eficaz.
    Só  que,  hoje,  ninguém,  nem  Daniel  Alves, consegue ser original por mais de 15 segundos. Andy  Warhol  previa,  na  década  de  1960,  que  no  futuro  todos seriamos famosos por 15 minutos. Pois o futuro  chegou  e  banalizou  os  atos  geniais,  transformando  tudo  numa  lata  de  sopa  de  tomate  CampbeN's.  A  banana  do  Daniel  primeiro  reapareceu  na  mão  de  Neymar,  também vítima de episódios de  racismo em  estádios.  Neymar  escreveu  na  rede  em  defesa  do  colega e dele próprio  “Tomaaaaa bando de  racistas,  #somostodosmacacos e  daí?" Uma  reação  legítima,  mas sem a  maturidade do Daniel.  Natural.  Há quase  dez anos de estrada de vida entre um e  outro. 
     Imediatamente  a  banana  passou  a  ser  triturada  por  milhares  de  “se lf ie s " .  O  casal  Luciano  Huck  Angélica  lançou  uma  camiseta  #somostodosmacacos.  Branco,  o  casal  que  jamais  correu  o  risco  de  ser  chamado  de  macaco a propriou -se   do  gesto  genial,  por  isso  foi  bombardeado por ovos e  tomates na  rede,  chamado de  oportunista.  A  presidente  Dilma  Rousseff,  em  seu  perfil  no Twitter,  também  pegou  carona  no gesto  de Daniel “contra o racismo" e chamou de “ousada" a  atitude  dele.  Depois  de  ler  muitas  manifestações,  acho que #somostodosbobos, a não ser,  claro, quem  sente na pele o peso do preconceito.
     “Estou há onze anos na Espanha, e há onze é  igual... Tem de rir desses atrasados" , disse Daniel ao  sair  do  gramado  no  domingo.  Depois  precisou  explicar que não quis generalizar. “Não quis dizer que  a  Espanha  seja  racista.  Mas  sim  que  há  racismo  na  Espanha,  porque  sofro  isso  em  campos  (de  futebol)  diferentes.  Não  foi  um  caso  isolado.  Não  sou vítima,  nem estou abatido.  Isso só me fortalece, e continuarei  denunciando atitudes racistas" .
      Tudo  que  se  seguiu  àquele  centésimo  de segundo em que Daniel pegou a fruta e a comeu, com 
a mesma naturalidade do espanhol  Rafael  Nadai em  intervalo técnico de torneios mundiais de tênis,  como  se fizesse parte do script, tudo o que se seguiu àquele gesto é banal. Os “selfies" , a camiseta do casal 1.000,  o  tuíte  de  Dilma,  as  explicações  de  Daniel  após  o  jogo,  esta  coluna.  Até  a  nota  oficial  do  Vilarreal,  dizendo que identificou o torcedor racista e o baniu do  estádio  El  Madrigal  “para  o  resto  da  vida" .  Daniel continuou a evitar as cascas de banana. Disse que o  ideal,  para conscientizar sobre o  racismo, seria fazer  o torcedor “pagar o mal com o bem" .
                                                                                        AQUINO,  Ruth de.  Rev.  Época:  05 maio 2014.
Na argumentação desenvolvida ao longo do texto, recorre a autora a todas as estratégias argumentativas a seguir, COM EXCEÇÃO apenas da que se indica em: