SóProvas


ID
1429417
Banca
FGV
Órgão
SEDUC-AM
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                                                                                            Caso de Chá

   A casa da velha senhora fica na encosta do morro, tão bem situada que dali se aprecia o bairro inteiro, e o mar é uma de suas riquezas visuais. Mas o terreno em volta da casa vive ao abandono. O jardineiro despediu-se há tempos; hortelão, não se encontra nem por um milagre. A velha moradora resigna-se a ver crescer a tiririca na propriedade que antes era um brinco. Até cobra começou a passear entre a folhagem, com indolência; é uma cobrinha de nada, mas sempre assusta.
   O verdureiro que faz ponto na rua lá embaixo ofereceu-se para matá-la. A boa senhora reluta, mas não pode viver com uma cobra tomando banho de sol junto ao portão, e a bicha é liquidada a pau. Bom rapaz, o verdureiro, cheio de atenções para com os fregueses. Na ocasião, um problema o preocupa: não tem onde guardar à noite a carrocinha de verduras.
   — Ora, o senhor pode guardar aqui em casa. Lugar não falta.
   — Muito agradecido, mas vai incomodar a madame.
   — Incomoda não, meu filho.
   A carrocinha passa a ser recolhida nos fundos do terreno. Todas as manhãs o dono vem retirá-la, trazendo legumes frescos para a gentil senhora. Cobra-lhe menos e até não cobra nada. Bons amigos.
   — Madame gosta de chá?
   — Não posso tomar, me dá dispepsia, me põe nervosa.
   — Pois eu sou doido por chá. Mas está tão caro que nem tenho coragem de comprar. Posso fazer um pedido? Quem sabe se a madame, com este terreno todo sem aproveitar, não me deixa plantar uns pés, pouquinha coisa, só para o meu consumo?
   Claro que deixa. Em poucas horas o quintal é capinado, tudo ganha outro aspecto. Mão boa é a desse moço: o que ele planta é viço de imediato. A pequenina cultura de chá torna alegre outra vez a terra abandonada. Não faz mal que a plantação se vá estendendo por toda a área. A velha senhora sente prazer em ajudar o bom lavrador. Alegando que precisa fazer exercício, caminhando com cautela pois enxerga mal, ela rega as plantinhas, que lhe agradecem a atenção prosperando rapidamente.
   — Madame sabe: minha intenção era colher só uma pequena quantidade. Mas o chá saiu tão bom que os parentes vivem me pedindo um pouco e eu não vou negar a eles. É pena madame não experimentar. Mas não aconselho: se faz mal, não deve mesmo tocar neste chá.
   O filho da velha senhora chegou da Europa esta noite. Lá ficou anos estudando. Achou a mãe lépida, bem disposta.
   — E eu trabalho, sabe, meu querido? Todos os dias rego a plantação de chá que um moço me pediu licença para fazer no quintal. Amanhã de manhã você vai ver que beleza que está.
   O verdureiro já havia saído com a carrocinha. A senhora estende o braço, mostra com orgulho a lavoura que, pelo esforço em comum, é também um pouco sua.
   O filho quase cai duro:
   — A senhora está maluca? Isso nunca foi chá, nem aqui nem na Índia. Isso é maconha, mamãe!

(ANDRADE, Carlos Drummond de. “Caso de Chá”. In: Cadeira de Balanço: crônica. 8.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976, p. 7-8.)

Assinale a opção que traz construção típica da oralidade e é considerada incomum na norma padrão da Língua Portuguesa.

Alternativas
Comentários
  • Na letra b,me começando uma oração está correto?


  • A letra b não obedece a norma culta.

  • A norma e padrão da língua portuguesa é aquela que todos os falantes da língua portuguesa entendem (ou ao menos deveriam entender). Diferente da linguagem padrão, a linguagem própria é aquela que uma pessoa utiliza em seu cotidiano, ignorando muitas regras gramaticais. A linguagem padrão deve ser aprendida, para haver uma boa comunicação entre pessoas que não reconhecem o mesmo tipo de linguagem, mesmo estas linguagens pertencendo à língua portuguesa.

    Quando usar a norma padrão?
    A norma padrão deve ser utilizada em concursos, redações, tribunais, entrevistas (de emprego ou não), currículos, e em certos locais de trabalho.

    No caso o texto fala da "construção típica da oralidade" , porém ao mesmo tempo pede o que é "incomum"  na norma padrão. Confuso.

  • A letra "b" está errada pois não se inicia frase com pronome oblíquo átono. O correto é : Dá-me; põe-me.

     

    Marquei essa questão, enfim..

  • fiquei entre A e B e acabei marcando a B por causa da proclise que ao meu ver e põe-me e não me põe.

    Quanto a letra A e incomode, não meu filho. Modo imperativo uma ordem.

     

  • A meu ver, na letra B, temos um caso clássico (comum) de transgressão à norma culta, com a colocação do pronome oblíquo logo depois da vírgula. Já na letra A temos uma construção de oralidade pouco vista na Língua Portuguesa (pelo menos aqui no Sul do Brasil), e é isso que a FGV quis que os candidatos encontrassem.

  • FGV = duas erradas ou duas certas, quase sempre!

  • Acho que a letra B está correta, na verdade há um termo omitido (sujeito) nas duas orações que começam com o "me". "Chá" me dá... Vejam que se feita a ênclise, fica totalmente sem sentido.
  • FGV é do kct, errando e aprendendo. A letra B não é incomum, é erro. Já na letra A houve a utilização do imperativo afirmativo com o não. O mais usual pra norma culta seria usar o imperativo negativo "não incomodes", mas ele usou o "incomoda" que é do imperativo afirmativo e colocou o não pra dar ideia negativa. Errado errado não está, mas não é comum pra norma culta. É comum pra todo mundo, menos pra norma culta.