SóProvas


ID
1473172
Banca
COMPERVE
Órgão
UFRN
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Antes que elas cresçam

Affonso Romano de Sant'Anna

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apar eça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com o suéter amarrado na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar o suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impact o de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route” 1 , como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, pôsteres e agendas coloridas de “pilot”. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in” 2 , ao Tablado para ver “Pluft” 3 , não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.
Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era imp ossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

Disponível em: < http://www.releituras.com/arsant_antes.asp.>. Acesso em: 07.02.2015. [Adaptado]

Glossário:
1. Bonne route, bonne route: a expressão em francês faz menção a um pequeno trecho da música francesa
“Ma fille” e significa: bom caminho, bom caminho...
2. Drive in: Estabelecimento (cinema, restaurante, lanchonete) onde os seus cl ientes podem permanecer em
seus automóveis.
3. Pluft: peça teatral infantil, escrita por Maria Clara Machado.

No trecho, “[...] agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam,[...]”, a palavra sublinhada substitui

Alternativas
Comentários
  • Gabarito: letra A (para aqueles que só leem 10 por dia)

  • A questão foi mal feita. Deveria estar escrito "refere-se à" e não "sublinhada".
  • O "Que", pronome relativo,  nesse caso é o sujeito da segunda oração, logo, substitui a palavra "pais" sujeito da primeira oração.

  • Resposta: Letra A.

    A questão é duvidosa! Particularmente, discordo do gabarito e afirmo que a Banca Examinadora cometeu erro crasso.

    O pronome relativo refere-se a substantivo anteriormente expresso, geralmente o mais próximo. Na oração em análise, o termo aparentemente apresenta ambiguidade, podendo referir-se a pais ou a solidão; essa imprecisão, contudo, facilmente é desfeita mediante a substituição do pronome relativo por quaisquer de suas formas compostas, concordando com o referente. Desse modo, considerando-se pais como referente, verifica-se "agora é hora de os pais na montanha terem a solidão os quais queriam..."; a oração adjetiva, pois, não tem sentido junto à oração principal. Diferentemente, considerando-se solidão como referente, observa-se "agora é hora de os pais na montanha terem a solidão a qual queriam..."; a oração adjetiva assume sentido, complementando a ideia de solidão: não qualquer tipo, mas a solidão que os pais queriam. Diante dessa análise, verifica-se não haver ambiguidade efetivamente, porquanto há impossibilidade de o pronome relativo que referir-se ao substantivo pais.

    Esse equívoco também é identificado por intermédio da substituição, na oração adjetiva, do pronome relativo por seu referente. Considerando-se que o referente é pais, a devida substituição dos termos tornaria a oração adjetiva em os pais queriam. Porquanto o verbo querer é transitivo direto, a oração apresentaria sentido incompleto, caracterizando falta de coesão e de coerência. Não obstante, considerando-se solidão como referente, a substituição dos termos formaria a sentença queriam a solidão, oração de sentido completo. Nesse caso, a ideia de pais é retomada por meio de sujeito oculto ou desinencial: os pais queriam a solidão.

    Diante desses motivos, reasseguro que, ao adotar a alternativa A como correta, a Banca Examinadora cometeu erro grave. A resposta correta é efetivamente a Letra B.

    Espero ter contribuído...

    Abraços!

  • ¬¬

  • [...] agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam,[...]”

    ...a solidão A QUAL queriam. 

    Não adianta, eu discordo desse gabarito. O PR "que" refere-se à solidão e não mudo minha opinião. A banca quis "pegar o besta".

  • Pensei o mesmo  Vannessa M. 

     

    Forçaram demais essa.

  • Sinceramente, não consigo enxergar o "que" substituindo "pais". Pra mim é muito óbvio que se refere a solidão.

    .

  • Gente pede os comentarios do professor..Por favor!

  • Perguntei a uma professora DOUTORA em Língua Portuguesa que ensina na UEPB e na UFRN e a resposta que obtive foi:"Entendo que a palavra se refere à solidão. A ideia é a solidão querida ou desejada pelos pais, não qualquer solidão. Por exemplo, na frase "Chegaram as pessoas que convidei para o evento" o que tem função de objeto direto, a frase direta seria "Convidei as pessoas para o evento" então chegaram apenas as pessoas convidadas, ou seja, que convidei."

  • Já fiz muitas provas da FCC com pronome relativo "que" no meio das questões. Quase sempre é substituindo pelo A QUAL, AS QUAIS, O QUAL, OS QUAIS. Nesse caso, não encontro argumentos para dizer o contrário. Fui de A, mas é B, não tenho ideia da defesa gramatical dessa questão... Aliás, nenhum comentário é preciso.

  • [...] agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam,[...]
    Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão / os pais queriam a solidão.

    Que funciona como sujeito do verbo querer, e substitui a palavra os pais.

    Respondi com base esta aula ->  https://www.youtube.com/watch?v=b1Y5HfZ1hMI  (recomendo assitir)

  • O enunciado está claro quando fala "...substitui. Se usasse refere-se a respota seria solidão, já que trata-se de pronome relativo. Porém, como a questão pergutou qual a expreção o pronome relativo substitui, a respota correta é Pais.

    Neste caso fazendo a substituição " ... pais queriam". Tanto é que podemos perceber a concordandia verbal. Por que se substituíssemos pais por pai(dixando no singular), teriamos a seguinte expressão: “[...] agora é hora de o pai na montanha ter a solidão que queria,[...]”. Como podem ver, com a variação de pais para pai, o verbo vai para o singular e então teriamos "...pai queria."

    Espero ter consguido explicar ;-)

  • Fato letra B..iria entrar com recurso fáci.

    lembrando que o "que"sempre inicia outra oração.

     

    "agora é hora de os pais na montanha terem a solidão/ que queriam(uma oração) FICARIA: QUERIAM QUE. QUERIAM A SOLIDÃO. ELES (OS PAIS) QUERIAM A SOLIDÃO.

    PORTANTO, NO MEU PONTO DE VISTA. O ''QUE" É PRONOME RELATIVO COM FUNÇÃO DE O.D. 

    SE EU TIVER ENGANADO, PODEM CORRIGIR"

    QUESTAO LETRA B. PARA MIM!

  • Se a questão tivesse pedido o referente, eu até aceitava o gabarito. Mas com esse enunciado aí, nunca que eu ia marcar letra "a"

  • “[...] agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que (Eles os pais) queriam,[...]”...É só ficarem atentos, o Que se refere a Eles, quem são eles? os Pais...

  • a)

    pais

  • O melhor é indicar para comentário, também marquei a letra B e fiquei com dúvida.

  • Letra A ( para aqueles que só leem 5 por dia)

  • pesquisei e  achei a resposta do professor pestana!

     

     

    Fernando Pestana Joterdan, seu gabarito não procede.

    Gabarito: B.

    Eles (os pais) queriam a solidão.

    Portanto, o pronome relativo QUE retoma "solidão".

  • No trecho, “[...] agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam,[...]

    Pela minha ótica, o P.R., nesse contexto, tem função sintática de (objeto direto) e substitui (a solidão); o sujeito da oração subordinada adjetiva restritiva é oculto "Eles", que faz referência anafórica à "os pais". Posto isso, palavra "QUE" é OD e substitui "a solidão"

    >>>>>>>>“[...] agora é hora de os pais na montanha terem a solidão / que (eles) queriam,[...]

    >>>>>>>> Eles queriam a solidão (Eles=Os Pais / A solidão= Que)

    Gab B.

  • Eu acho que o gabarito está correto ( mesmo eu errando a questão). Se fosse a solidão retomada, ficaria estanho.

    A solidão queriam??? Não, né!