SóProvas


ID
1491799
Banca
FCC
Órgão
TRE-RR
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Conselhos ao candidato

Certa vez um enamorado da Academia, homem ilustre e aliás perfeitamente digno de pertencer a ela, escreveu-me sondando-me sobre as suas possibilidades como candidato. Não pude deixar de sentir o bem conhecido calefrio aquerôntico, porque então éramos quarenta na Casa de Machado de Assis e falar de candidatura aos acadêmicos sem que haja vaga é um pouco desejar secretamente a morte de um deles. O consultado poderá dizer consigo que “praga de urubu não mata cavalo”. Mas, que diabo, sempre impressiona. Não impressionou ao conde Afonso Celso, de quem contam que respondeu assim a um sujeito que lhe foi pedir o voto para uma futura vaga:

-Não posso empenhar a minha palavra. Primeiro porque o voto é secreto; segundo porque não há vaga; terceiro porque a futura vaga pode ser a minha, o que me poria na posição de não poder cumprir com a minha palavra, coisa a que jamais faltei em minha vida.

Se eu tivesse alguma autoridade para dar conselhos ao meu eminente patrício, dir-lhe-ia que o primeiro dever de um candidato é não temer a derrota, não encará-la como uma capitis diminutio, não enfezar com ela. Porque muitos dos que se sentam hoje nas poltronas azuis do Trianon, lá entraram a duras penas, depois de uma ou duas derrotas. Afinal a entrada para a Academia depende muito da oportunidade e de uma coisa bastante indefinível que se chama “ambiente”. Fulano? Não tem ambiente. [...]

Sempre ponderei aos medrosos ou despeitados da derrota que é preciso considerar a Academia com certo senso de humour. Não tomá-la como o mais alto sodalício intelectual do país. Sobretudo nunca se servir da palavra “sodalício”, a que muitos acadêmicos são alérgicos. Em mim, por exemplo, provoca sempre urticária.

No mais, é desconfiar sempre dos acadêmicos que prometem: “Dou-lhe o meu voto e posso arranjar-lhe mais um”. Nenhum acadêmico tem força para arranjar o voto de um colega. Mas vou parar, que não pretendi nesta crônica escrever um manual do perfeito candidato.

(BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993, vol. único, p. 683-684)

*aquerôntico = relativo ou pertencente a Aqueronte, um dos rios do Inferno, atravessado pelos mortos na embarcação conduzida pelo barqueiro Caronte.
*capitis diminutio:expressão latina de caráter jurídico empregada para designar a diminuição de capacidade legal.

No desenvolvimento do texto, o autor deixa transparecer

Alternativas
Comentários
  • GABARITO: E

    Dá pra ver que há uma certa ironia neste texto quando o conde Afonso Celso responde a um pretenso candidato à Academia da seguinte forma:

    " - Não posso empenhar a minha palavra. Primeiro porque o voto é secreto; segundo porque não há vaga; terceiro porque a futura vaga pode ser a minha, o que me poria na posição de não poder cumprir com a minha palavra, coisa a que jamais faltei em minha vida".

  • Questão de Interpretação, a resposta está além do texto.

    Ler 2x o texto, faz com que possamos verificar ironia na fala do autor.

  • Nao consegui enxergar a ironia.

  • "Certa vez um enamorado da Academia, homem ilustre e aliás perfeitamente digno de pertencer a ela, escreveu-me sondando-me sobre as suas possibilidades como candidato. (...). O consultado poderá dizer consigo que “praga de urubu não mata cavalo”. Mas, que diabo, sempre impressiona. Não impressionou ao conde Afonso Celso, de quem contam que respondeu assim a um sujeito que lhe foi pedir o voto para uma futura vaga:"

    Acho que ele foi irônico ao fazer referência à mesma pessoa com esses termos opostos.

  • Acho que sou igual ao Sheldon Cooper, do The big bang theory, pois não consegui enxergar ironia nesse texto aí não...

  • Não senti a ironia.

  • Pontos irônicos:

     

    1) ... éramos quarenta na Casa de Machado de Assis e falar de candidatura aos acadêmicos sem que haja vaga é um pouco desejar secretamente a morte de um deles ...(1° parágrafo).

     

    2) ...“praga de urubu não mata cavalo”. (1° parágrafo).

     

    3) Mas, que diabo, sempre impressiona. (1° parágrafo).

     

    4) ...terceiro porque a futura vaga pode ser a minha...(2° parágrafo).

     

    5) ... depende muito da oportunidade e de uma coisa bastante indefinível que se chama “ambiente”. Fulano? Não tem ambiente. (3° parágrafo).

     

    6) Sobretudo nunca se servir da palavra “sodalício”, a que muitos acadêmicos são alérgicos. Em mim, por exemplo, provoca sempre urticária. (4° parágrafo). 

     

    7) Mas vou parar, que não pretendi nesta crônica escrever um manual do perfeito candidato. (5° parágrafo).

     

    ----

    "Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito."

  • Definição de ironia (fonte: https://www.figurasdelinguagem.com/ironia/):

    "A ironia é a figura de linguagem que consiste no emprego de uma palavra ou expressão de forma que ela tenha um sentido diferente do habitual e produza um humor sutil."

    "....Frequentemente, esse jogo é feito utilizando-se uma palavra quando na verdade se quer dizer o oposto dela, mas vale lembrar que nem só de oposições se constroem as ironias. Às vezes, o sentido real do que se diz não é exatamente o oposto, mas é diferente, e isso basta para tornar a sentença irônica."

    Baseado nisso, acredito que tenha ironia aqui: "...a entrada para a Academia depende.......de uma coisa bastante indefinível que se chama 'ambiente'. Fulano? Não tem ambiente..."