SóProvas


ID
1511257
Banca
CEPERJ
Órgão
SEDUC-RJ
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

COMO LER NAS “ENTRELINHAS”?

As conhecidas “entrelinhas” são uma boa metáfora visual para aquilo que poderíamos designar, de maneira mais apropriada, como o “não-dito” de um texto. Entre uma linha e outra não há supostamente nada exceto o branco da página, da mesma maneira que o não-dito obviamente não foi escrito, logo, não pode ser lido.

Entretanto, lembremos que a linguagem humana é simultaneamente pletórica e insu?ciente: sempre se diz mais e menos do que se queria dizer. Até mesmo um texto prosaico e informativo esconde algumas informações e sugere outras, que se nos revelam se soubermos ler... nas entrelinhas. Ora, um texto de ?cção amplia conscientemente o espaço das suas entrelinhas, justamente para poder tanto esconder quanto sugerir mais informações. Desse modo, ele desa?a o seu leitor a decifrá-lo, vale dizer, a escavar as suas entrelinhas.

Nos dois parágrafos acima, por exemplo.
O que se encontra nas entrelinhas?
O que eu não disse?
O que estou escondendo?

Quando digo que “um texto de ficção amplia conscientemente o espaço das suas entrelinhas” e “desafia o seu leitor a decifrá-lo”, vejo-me escondendo nada menos do que o próprio autor do texto, porque empresto consciência e vontade a uma coisa, isto é, a um texto. Se o meu leitor percebe que fiz isto, ou seja, se o meu leitor lê nas entrelinhas do meu texto, ele pode me interpretar ou de um modo conservador ou de um modo mais ousado.

O meu leitor conservador pode entender que apenas recorri a uma metonímia elegante, dizendo “texto” no lugar de “autor do texto” por economia de palavras e para dar estilo ao que escrevo. O meu leitor ousado já pode especular que sobreponho o texto ao seu autor para sugerir que a própria escrita modifica quem escreve, e o faz no momento mesmo do gesto de escrever.

Ambas as interpretações me parecem válidas, embora eu goste mais da segunda. Talvez haja outras leituras igualmente válidas, embora nem tudo se possa enfiar impunemente nas entrelinhas alheias. Em todo caso, creio que achei um bom exemplo de leitura de entrelinhas no próprio texto que fala das entrelinhas...

Se posso ler nas entrelinhas de textos teóricos ou informativos como este que vos fala, o que não dizer de textos de ficção? Este meu texto não se quer propositalmente ambíguo ou plurissignificativo, mas o acaba sendo de algum modo, por força das condições internas de toda a linguagem, o que abre espaço para suas entrelinhas, isto é, para seus não-ditos.

Um texto de ficção, entretanto, já se quer ambíguo e plurissignificativo, assumindo orgulhosamente suas entrelinhas. Estas entrelinhas são maiores ou menores, mais ou menos carregadas de sentido, dependendo, é claro, do texto que contornam. Textos menores e mais densos, por exemplo, tendem a conter entrelinhas às vezes maiores do que eles mesmos.

É o caso do menor conto do mundo, do hondurenho Augusto Monterroso, intitulado “O Dinossauro”. O conto tem apenas sete palavras e cabe em apenas uma linha: “quando acordou, o dinossauro ainda estava ali”.
As entrelinhas cercam este conto, provocando muitas perguntas, como, por exemplo:

1. Quem acordou?
2. Quem fala?
3. Onde é ali?
4. O dinossauro ainda estava ali porque também se encontrava lá antes de a tal pessoa dormir, ou porque ela sonhara com o dinossauro e ele saiu do sonho para a sua realidade?
5. O dinossauro que ainda estava ali é o animal extinto ou um símbolo?
6. Se for o animal extinto e supondo que o conto se passa na nossa época, como ele chegou ali?
7. Se não se passa na nossa época, então em que época se passa a história?
8. Se, todavia, o dinossauro é um símbolo, o que simboliza?

Na verdade, as entrelinhas contêm as perguntas que um texto nos sugere, muito mais do que as respostas que ele porventura esconde. A nossa habilidade de ler nas entrelinhas se desenvolve junto com a nossa habilidade de seguir as sugestões do texto e de formular perguntas a respeito dele e mesmo contra ele, para explorá-las sem necessariamente respondê-las de uma vez para sempre.

Gustavo Bernardo (Adaptado de: revista.vestibular.uerj.br/coluna/)

Em "um texto de ficção amplia conscientemente o espaço das suas entrelinhas", pode-se observar uma metonímia por tal expressão basear-se na seguinte relação:

Alternativas
Comentários
  • RESPOSTA B



     "um texto de ficção amplia conscientemente o espaço das suas entrelinhas"


    Não é texto de ficção que amplia de fato, quem amplia é o autor do texto. (obra pelo autor).



    ¹Metonímia:  sf (gr metonymía) Ret Alteração do sentido natural das palavras pelo emprego da causa pelo efeito: Apresento-lhe meu trabalho (livro); do continente pelo conteúdo: Tal era sua fome que ele comeu dois pratos; do lugar pelo produto;Serviram um velho bordéus (vinho de Bordéus); do abstrato pelo concreto:Não se menospreze a realeza (o rei); do sinal pela coisa significada: Levaram longe a cruz (a religião) etc., o emprego dessas expressões em sentido inverso.



    ¹http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/meton%C3%ADmia%20_1000825.html

  • A resposta está no próprio texto: "O meu leitor conservador pode entender que apenas recorri a uma metonímia elegante, dizendo "texto" no lugar de "autor do texto" por economia de palavras e para dar estilo ao que escrevo."

  • Resposta B - 

    Metonímia

    A metonímia consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou relação de sentido.

    Como a própria colega acima disse, a resposta já estava no próprio texto. Fiquem alerta para pouparem tempo nas questões mais difíceis. 

  • Meu erro foi considerar a metonímia "o espaço das suas entrelinhas", mas esta parte é metáfora, certo?

    Alguém poderia ajudar analisando esta parte da frase?

  • GABARITO: LETRA B

    Metonímia:

    Segundo o Aulete, é uma “figura de linguagem baseada no uso de um nome no lugar de outro, pelo emprego da parte pelo todo, do efeito pela causa, do autor pela obra, do continente pelo conteúdo etc.”. Ou seja, ocorre a substituição de uma palavra por outra porque há entre elas uma relação de todo e parte.

    -O bronze (sino) repicava na torre da igreja. (a matéria pelo objeto)

    -Essa juventude (os jovens) está perdida. (o abstrato pelo concreto)

    -Vivo do suor (trabalho) do meu rosto. (o efeito pela causa)

    -Gostaria de ter um Picasso (um quadro) em casa. (o autor pela obra)

    -O Brasil (as pessoas do Brasil) vibrou com a conquista da Copa do Mundo. (o continente pelo conteúdo)

    FONTE: A gramática para concursos públicos / Fernando Pestana. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.