SóProvas


ID
1511950
Banca
AOCP
Órgão
EBSERH
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                               A ciência e o vazio espiritual
                                                                                                 Marcelo Gleiser

      Alguns anos atrás, fui convidado para dar uma entrevista  ao vivo para uma rádio AM de Brasília. A entrevista foi  marcada na estação rodoviária, bem na hora do rush,  quando trabalhadores mais humildes estão voltando para  suas casas na periferia. A ideia era que as pessoas dessem  uma parada e ouvissem o que eu dizia, possivelmente  fazendo perguntas.
      O entrevistador queria que falasse sobre a ciência do fim  do mundo, dado que havia apenas publicado meu livro “O  Fim da Terra e do Céu". O fim do mundo visto pela ciência  pode ser abordado de várias formas, desde as mais locais,  como no furacão que causou verdadeira devastação nas  Filipinas, até as mais abstratas, como na especulação do  futuro do universo como um todo.
      O foco da entrevista eram cataclismos celestes e como  inspiraram (e inspiram) tanto narrativas religiosas quanto  científicas. Por exemplo, no antigo testamento, no Livro  de Daniel ou na história de Sodoma e Gomorra, e no novo,  no Apocalipse de João, em que estrelas caem dos céus  (chuva de meteoros), o Sol fica preto (eclipse total), rochas  incandescentes caem sobre o solo (explosão de meteoro  ou de cometa na atmosfera) etc.
      Mencionei como a queda de um asteroide de 10  quilômetros de diâmetro na península de Yucatan, no  México, iniciou o processo que culminou na extinção  dos dinossauros 65 milhões de anos atrás. Enfatizei que  o evento mudou a história da vida na Terra, liberando os
mamíferos que então existiam -- de porte bem pequeno -- da  pressão de seus predadores reptilianos, e que estamos aqui  por isso. O ponto é que a ciência moderna explica essas
transformações na Terra e na história da vida sem qualquer  necessidade de intervenção divina. Os cataclismos que  definiram nossa história são, simplesmente, fenômenos  naturais.
      Foi então que um homem, ainda cheio de graxa no rosto,  de uniforme rasgado, levantou a mão e disse: “Então o doutor quer tirar até Deus da gente?"
      Congelei. O desespero na voz do homem era óbvio. Sentiu-se traído pelo conhecimento. Sua fé era a única coisa  a que se apegava, que o levava a retornar todos os dias  àquela estação e trabalhar por um mísero salário mínimo. Como que a ciência poderia ajudá-lo a lidar com uma vida  desprovida da mágica que fé no sobrenatural inspira?
      Percebi a enorme distância entre o discurso da ciência e  as necessidades da maioria das pessoas; percebi que para  tratar desse vão espiritual, temos que começar bem cedo,  trazendo o encantamento das descobertas científicas para  as crianças, transferindo a paixão que as pessoas devotam  à sua fé para um encantamento com o mundo natural. Temos que ensinar a dimensão espiritual da ciência -- não  como algo sobrenatural -- mas como uma conexão com
algo maior do que somos. Temos que fazer da educação  científica um processo de   transformação, e não meramente  informativo.
      Respondi ao homem, explicando que a ciência não  quer tirar Deus das pessoas, mesmo que alguns cientistas  queiram. Falei da paixão dos cientistas ao devotarem suas  vidas a explorar os mistérios do desconhecido. O homem  sorriu; acho que entendeu que existe algo em comum entre sua fé e a paixão dos cientistas pelo mundo natural.
      Após a entrevista, dei uma volta no lago Sul pensando  em Einstein, que dizia que a ciência era a verdadeira religião,  uma devoção à natureza alimentada pelo encantamento  com o mundo, que nos ensina uma profunda humildade  perante sua grandeza.

                                                  Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marceloglei
                                               ser/2013/11/1372253-a-ciencia-e-o-vazio-espiritual.shtml. Acesso 22 
                                                                                                                                           nov2013.

Assinale a alternativa em que o segundo fragmento substitui adequadamente, do ponto de vista semântico e gramatical, o primeiro fragmento.

Alternativas
Comentários
  • Qual o erro da B? Alguém pode me ajudar?

  • Bianca, o erro está no uso do advérbio "atrás" depois de "há", pois o verbo haver está no sentido de tempo decorrido. Ficaria redundante, pleonasmo.

  • Gente! A letra "A" está correta pelo fato do verbo "TER" aceitar duas regências - TER QUE... e TER DE...   Ambas corretíssimas.

     

    BONS ESTUDOS!

     

  • Qual erro da letra D?

  • Bianca, não podemos escrever "há alguns anos atrás". Afinal, ao usarmos o verbo "haver" já estamos indicando o tempo decorrido, algo que "atrás" também faz, ou seja: você escreve duas vezes a mesma ideia. Acaba tornando a oração redundante. Portanto, para evitar a repetição da ideia do tempo que se passou, escreva apenas "há alguns anos" (sem o "atrás") ou então "alguns anos atrás" (sem o "há"). Espero tê-la ajudado ;)

  • Alguém consegue descrever o erro das outras? 

  • Percebi logo que era a alternativa A porque esse Que tem a funçao de preposição. Tem que/de..., as duas podem ser substituídas tranquilamente. Bons estudos.
  • Analisando as alternativas ainda não apontadas:

    c) “Como que a ciência poderia ajudá-lo...” > Como se a ciência poderia ajudá-lo.
    Partindo para o trecho do texto:
    O desespero na voz do homem era óbvio. Sentiu-se traído pelo conhecimento. Sua fé era a única coisa  a que se apegava, que o levava a retornar todos os dias  àquela estação e trabalhar por um mísero salário mínimo. Como que a ciência poderia ajudá-lo a lidar com uma vida  desprovida da mágica que fé no sobrenatural inspira?
    O trecho destacado na alternativa é uma pergunta, logo o se alteraria a semântica e ficaria extranho:
    Como se a ciência poderia ajudá-lo a lidar com uma vida  desprovida da mágica que fé no sobrenatural inspira?
    Outro detalhe é que essa pergunta pode ser feita de outra forma:
    De que forma a ciência poderia ajudá-lo a lidar com uma vida  desprovida da mágica que fé no sobrenatural inspira?
    Por isso a partícula se não faz sentido nessa construção.

    d) “...havia apenas publicado meu livro...” > Havia publicado apenas meu livro.
    Essa alternativa parte duma semântica mais ampla para uma mais restrita. Não altera muito o sentido, mas não deixa de ter uma interpretação um pouco diferente entre os dois trechos. Obs: apesar da pouca diferença, não é passível de recurso. A banca FGV, por exemplo, tem muitas questões que deslocam esse tipo de advérbio e sempre altera o sentido da sentença.
    Se destacarmos o trecho do texto e fizermos essa alteração nele, também não influenciaria tanto no sentido:
    "O entrevistador queria que falasse sobre a ciência do fim  do mundo, dado que havia apenas publicado meu livro “O  Fim da Terra e do Céu"."
    "O entrevistador queria que falasse sobre a ciência do fim  do mundo, dado que havia publicado apenas meu livro “O  Fim da Terra e do Céu"."
    e) "...quer tirar até Deus da gente?" > Inclusive quer tirar Deus da gente?
    Entendi que os dois termos "até" e "inclusive" são termos que dam ideias de inclusão, mas o inclusive geralmente é usado quando há coisas explíssitas, por exemplo: o homem cometia crimes naquela região, inclusive já foi visto várias vezes por outras pessoas. Observem que há uma sentença anterior e uma insersão de uma sentença posterior ao termo "inclusive". Utilizando o até, é como dissesse: O homem até foi visto por outras pessoas. É como eu interpreto a diferença nesse contesto do até e do inclusive. Vejamos:
    "Foi então que um homem, ainda cheio de graxa no rosto,  de uniforme rasgado, levantou a mão e disse: “Então o doutor quer tirar até Deus da gente?"
    Não há nenhuma sentença anterior essa pergunta, logo o uso do inclusive ficaria um pouco vago.

    Alguém me corrije se eu estiver errado em alguma coisa.

  • Ter que

    Ter de 

     

    Verbo ter aceita  que/de como preposições. Semanticamente e gramaticalmente.

  • ALEXANDRE SUAREZZZ