É proibido achar
    Chego em casa à noite, exausto. A mesa vazia. Nada sobre o  fogão. Nem no  forno. Nem na geladeira. Não há jantar! No dia  seguinte, revolto-me diante da empregada.
    -  Passei fome! 
    -Ih! Achei que o  senhor não vinha jantar!
    Solto  faíscas que nem um fio desencapado ao ouvir o verbo  “achar"  em  qualquer  conjugação.  É  um  perigo  achar.  Não  no  sentido de expressar alguma coisa, mas de supor alguma coisa.
    Tenho trauma,  é verdade!
    Tudo começou aos 9 anos de idade, quando pedi à professora  para ir ao banheiro. Ela não permitiu e voltei agoniado à carteira.  Cruzei as pernas, cruzei de novo, torci os pés, mas foi impossível  escrever ou ouvir a lição...  De repente,  senti algo morno  escorrendo pelas pernas. Fiz xixi nas calças!
    Alguém gritou:
    -  Olha,  ele  fez xixi!
    Dali a pouco toda a classe ria. E a professora,  surpresa:
    -  Ih .  eu achei que você pediu para sair só por malandragem. 
    Tomei horror  ao  “achismo"  e  aprendi:  sempre  que  alguém “acha" alguma coisa, “acha" errado. 
    Meu assistente, Felippe,  é mestre no assunto.
    -  Não botei gasolina no carro porque achei que ia dar!  -  explica ele,  enquanto, desesperado,  faço sinais na estrada tentando  carona até algum posto.
    Quem trabalha comigo, agora, não pode mais achar. Tem de  saber!
    Outro  dia  ouvi  uma  história melancólica.  Dois  colegas  de  classe se encontraram trinta anos depois.    Ambos com vida amorosa péssima e  casamento desfeito.  Com a sinceridade que  só  a  passagem do tempo permite,  ele desabafou:
    -  Eu  era  apaixonado  por você, mas  achei  que  você  não  ia  querer nada comigo.
    Ela suspirou, decepcionada.
    -  Eu  achava você  o  máximo!  Como  nunca  se  aproximou,  achei que não tinha atração por mim!
    Os  dois  se  encararam  arrasados.  E  se  tivessem namorado?  Talvez a vida deles fosse diferente! Mas o que fazer com os trinta  anos passados?
    Por isso, quando alguém me diz:
    -Eu acho  que . 
    Respondo:
    -  Não ache, ninguém perdeu nada. 
    E sempre que posso,  insisto: 
    -  Se não sabe, pergunte! 
    É o  lema que adotei: melhor que achar,  sempre é verificar!
                                                                        (Walcyr Carrasco,  Veja SãoPaulo,  19.05.2010. Adaptado)
Pela leitura do texto, é correto afirmar que