- ID
- 1516396
- Banca
- Aeronáutica
- Órgão
- CIAAR
- Ano
- 2013
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
                                 A maldição do esquerdo-direitismo
      O  esquerdo-direitismo  é  uma  crença  semirreligiosa  que  se  tornou  a  ideologia  dominante  do  mundo  no  último  século.  Esquerdo-direitistas  são  pessoas  que  acreditam  que  todo  o  bem  que  existe  no  mundo  provém  de  apenas  uma fonte. Há dois tipos de esquerdo-direitistas -  aqueles que acham que a fonte de todo  o bem é o mercado e  aqueles que acham que é o estado. A estes chamamos esquerdistas, aqueles são os direitistas. 
      No  fundo,  esquerdistas  e  direitistas  são  dois  lados de  uma mesma coisa.  Ambos  veem  o mundo  em  apenas  duas dimensões, sem profundidade, dividido entre bons e maus. Não admira que esquerdistas transformem-se em  direitistas e vice-versa com tanta facilidade - alguns dos analistas mais ferrenhos da direita passaram a juventude  militando nas facções mais radicais da esquerda. 
      Nos últimos [...] meses, os dois maiores ícones desse jeito simplista de ver o mundo morreram:  Hugo Chávez (esquerda)  e  Margareth  Thatcher (direita).  Difícil  imaginar  dois  personagens  tão  representativos  desse  modo  oitocentista de ver o mundo. Todos os esquerdo-direitistas concordam que, entre os mortos, havia um santo e um  demônio. Eles discordam apenas em relação a qual é qual. 
      A realidade é que nem  Chávez nem  Thatcher merecem a canonização. Ambos tiveram seus inegáveis méritos  como líderes carismáticos, mas as duas biografias estão cheias de erros crassos. É que, ao contrário do que eles  acreditavam,  o  esquerdo-direitismo  está  errado.  A  crença  compartilhada  por  esquerdistas  e  direitistas  de  que  o  mundo está  dividido  ao meio, entre  virtuosos  e cretinos, simplesmente não tem lastro na realidade. Há  virtudes  e  cretinices  em  cada  um  de  nós  e  o  mundo  é  muito  mais cheio  de  sutilezas  do  que  imaginavam  nossos  manuais  ideológicos publicados nos séculos 18 e 19. 
      Prova disso está numa reportagem de capa recente publicada pela tradicional revista  The Economist, a Bíblia  liberal  inglesa,  que  já  foi  um  ícone  esquerdo-direitista  na  época  que  essas  coisas  faziam  sentido.  A matéria  de  Economist de clara  que  o  novo  modelo  para  o  planeta  são  os  países  nórdicos.  “Se  você  tivesse  que  renascer  em  algum lugar do mundo com talentos e renda médios, você ia querer ser um viking", diz a revista. 
      Os países escandinavos, que nas décadas de 1970 e 1980 eram estados inchados, com impostos altíssimos, baixa competitividade e serviços públicos de estado socialista,  quem diria,  viraram exemplo para  a revista que os  liberais  sempre  adoraram.  Isso  porque,  nos  últimos  anos,  Suécia,  Dinamarca,  Noruega  e  Finlândia  fizeram  várias  reformas e se tornaram países incríveis para se viver.
      Para  começar,  o  estado  racionalizou  seus  gastos  e  criou  as  mais  fantásticas  políticas  de  transparência do  mundo, permitindo à população fiscalizar seus governantes e reduzir a gastança. Na Suécia, políticos de alto escalão  moram em quitinetes, lavam a própria louça e  usam transporte público ou bicicleta.  Além disso, a burocracia caiu  quase a zero e esses países viraram paraísos do empreendedorismo, de fazer inveja ao Vale do Silício com suas  histórias de sucesso (Skype, Angry Birds, Spotify). 
      Mas isso foi feito sem sucatear o estado nem prejudicar a população. As reformas do estado foram feitas com  um objetivo claro: manter a qualidade do serviço público, ou, se possível, aumentá-la. Essa lógica ajuda a entender o  que aconteceu com a saúde e a educação pública nesses países. O governo continua atuando, provendo serviços de  qualidade, mas empresas privadas também podem entrar na competição. Os cidadãos recebem do governo vouchers de  saúde  e  educação  e  podem  decidir  usá-los  em  escolas  e  hospitais  públicos  ou  privados.  Na  Escandinávia,  o  estado continua grande, mas uma coisa fundamental mudou: ele agora funciona. 
      O sucesso nórdico expõe a grande falácia do esquerdo-direitismo: a crença de que só há um caminho certo.  Para os esquerdistas, criar mais empresas estatais e ter impostos altos é sempre bom. Para os direitistas, é sempre  ruim.  A  verdade,  como  costuma  ser  o  caso,  está  no  meio:  é  possível,  ao  mesmo  tempo,  melhorar  os  serviços  e  aumentar a eficiência. Basta para isso focar no cidadão, que é muito mais importante do que empresas e estado. 
      Essa é a mágica que os países nórdicos operaram nos últimos anos. Enquanto isso, o Brasil faz o contrário: por  aqui conseguimos combinar impostos altos com serviços ruins. E, em vez de focar em reduzir uns e melhorar outros,  continuamos desperdiçando tempo com Thatcher e Chávez. 
Releia o excerto a seguir, extraído do segundo parágrafo do texto: “[...] alguns dos analistas mais ferrenhos da direita passaram a juventude militando nas facções mais radicais da esquerda.” O trecho destacado apresenta uma ambiguidade semântica (causada pelo(s) sentido(s) de uma ou mais palavras), embora a possibilidade de dupla leitura só emirja se o trecho for isolado. Considerando esse aspecto, assinale a alternativa cujo conteúdo da primeira parte não apresenta tal duplicidade de leitura, nem compromete o sentido do enunciado como umtodo.