Catar Feijão  
1 
Catar feijão se limita com escrever: 
joga-se os grãos na água do alguidar 
e as palavras na folha de papel; 
e depois, joga-se fora o que boiar. 
Certo, toda palavra boiará no papel, 
água congelada, por chumbo seu verbo: 
pois para catar esse feijão, soprar nele, 
e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 
2 
Ora, nesse catar feijão entra um risco: 
o de que entre os grãos pesados entre 
um grão qualquer, pedra ou indigesto, 
um grão imastigável, de quebrar dente. 
Certo não, quando ao catar palavras: 
a pedra dá à frase seu grão mais vivo: 
obstrui a leitura fluviante, flutual, 
açula a atenção, isca-a como o risco. 
             João Cabral de Melo Neto, A educação pela pedra. 
Considere  as  seguintes  afirmações  relativas  ao  poema  de  Cabral  de  Melo:   
 I  O  ideal  de  economia  verbal,  preconizado  no  poema,  assemelha-se  ao  ideal  estilístico  do  Graciliano Ramos de Vidas secas, também este sequioso de restringir-se ao essencial.  
II  O recurso ao “grão  imastigável, de quebrar dente” e à “pedra [que] dá à frase seu grão mais  vivo”, com o sentido que lhe dá Cabral de Melo, encontra-se presente no próprio poema que  a reivindica. 
 III  A ideia de se produzir uma obstrução da leitura como algo positivo participa do objetivo de  se romper com os autoritarismos da percepção – desígnio frequente na  literatura moderna,  inclusive  em  autores  estilisticamente  muito  diferentes  de  Cabral,  como  é  o  caso  de  Guimarães Rosa.  
  Está correto o que se afirma em