SóProvas


ID
1537375
Banca
CS-UFG
Órgão
UFG
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 1

                               Cem cruzeiros a mais

Ao receber certa quantia num guichê do Ministério, verificou que o funcionário lhe havia dado cem cruzeiros a mais. Quis voltar para devolver, mas outras pessoas protestaram: entrasse na fila.
Esperou pacientemente a vez, para que o funcionário lhe fechasse na cara a janelinha de vidro:
– Tenham paciência, mas está na hora do meu café.
Agora era uma questão de teimosia. Voltou à tarde, para encontrar fila maior – não conseguiu sequer aproximar-se do guichê antes de encerrar-se o expediente.
No dia seguinte era o primeiro da fila:
– Olha aqui: o senhor ontem me deu cem cruzeiros a mais.
– Eu?
Só então reparou que o funcionário era outro.
– Seu colega, então. Um de bigodinho.
– O Mafra.
– Se o nome dele é Mafra, não sei dizer.
– Só pode ter sido o Mafra. Aqui só trabalhamos eu e o Mafra. Não fui eu. Logo...
Ele coçou a cabeça, aborrecido:
– Está bem, foi o Mafra. E daí?
O funcionário lhe explicou com toda urbanidade que não podia responder pela distração do Mafra:
– Isto aqui é uma pagadoria, meu chapa. Não posso receber, só posso pagar. Receber, só na  recebedoria. O próximo!
O próximo da fila, já impaciente, empurrou-o com o cotovelo. Amar o próximo como a ti mesmo! Procurou conter-se e se afastou, indeciso. Num súbito impulso de indignação – agora iria até o fim – dirigiu-se à recebedoria.
– O Mafra? Não trabalha aqui, meu amigo, nem nunca trabalhou.
– Eu sei. Ele é da pagadoria. Mas foi quem me deu os cem cruzeiros a mais.
Informaram-lhe que não podiam receber: tratava-se de uma devolução, não era isso mesmo? E não de pagamento. Tinha trazido a guia? Pois então? Onde já se viu pagamento sem guia? Receber mil   cruzeiros a troco de quê?
– Mil não: cem. A troco de devolução.
– Troco de devolução. Entenda-se.
– Pois devolvo e acabou-se.
– Só com o chefe. O próximo!
O chefe da seção já tinha saído: só no dia seguinte. No dia seguinte, depois de fazê-lo esperar mais de meia hora, o chefe informou-lhe que deveria redigir um ofício historiando o fato e devolvendo o dinheiro.
– Já que o senhor faz tanta questão de devolver.
– Questão absoluta.
– Louvo o seu escrúpulo.
– Mas o nosso amigo ali do guichê disse que era só entregar ao senhor – suspirou ele.
– Quem disse isso?
– Um homem de óculos naquela seção do lado de lá. Recebedoria, parece.
– O Araújo. Ele disse isso, é? Pois olhe: volte lá e diga-lhe para deixar de ser besta. Pode dizer que fui eu que falei. O Araújo sempre se metendo a entendido!
– Mas e o ofício? Não tenho nada com essa briga, vamos fazer logo o ofício.
– Impossível: tem de dar entrada no protocolo.
Saindo dali, em vez de ir ao protocolo, ou ao Araújo para dizer-lhe que deixasse de ser besta, o honesto cidadão dirigiu-se ao guichê onde recebera o dinheiro, fez da nota de cem cruzeiros uma bolinha, atirou-a lá dentro por cima do  vidro e foi-se embora.

                                                              SABINO, Fernando. Disponível em: <:// www.velhosamigos.com.br/
                                               Colaboradores/Diversos/fernando sabino2.html>. Acesso em: 13 abr. 2015.

A linguagem utilizada na construção do texto caracteriza-se por

Alternativas
Comentários
  • Interessante da questão é o número de acertos: mais da metade, no entanto, nenhum comentário...

  • Amigo... é bem provável que acertaram no chute ...

    Se não foi por favor nos expliquem , pois também estou na dúvida.   

  • Esta ae resolvi por eliminação: (sei que não está completo, mas já que ninguém comentou... vai lá minhas observações)

    a) um estilo espontâneo e padrão normativo.
    Ok, realmente tem um estilo espontâneo e segue o padrão normativo. (não erra na gramática)

     b)um registro particular e escolhas lexicais próprias.
    Não tem nada de muito "particular"... mas não entendi muito bem, se alguém tiver uma explicação melhor.

    c) uma figurativização verbal e plasticidade do conteúdo.
    Não tem muito o que falar em "plasticidade do conteúdo",  Também não tem muito sentido figurado, com exceção de um ou outro trecho...

    d) uma estruturação oracional erudita e construção semântica arcaica. Não tem nada de Erudito.

  • chute certeiro 

  • O pessoal erra, e depois que vê que a resposta selecionada não condiz com a correta, ela marca novamente, so que dessa vez a alternativa correta. Um conselho: deixa a que você marcou, pois quando você estiver estudando novamente o mesmo assunto e cair essa questão, você pode acerta-la.

  • QC 2017, ÓTIMA DICA! DEUS ABENÇÕE!

  • O uso no texto de "meu chapa" (gírias) é um padrão normativo? 
    Estranho...

  • Uso de travessões indica uma linguagem espontânea, reprodução na íntegra dos diálogos do personagens.

  • Não esqueçam que a crônica se caracteriza por um registro espontâneo, pois relata o cotidiano de algo. Sobre a expressão "Meu Chapa" não quer dizer nada, visto que a expressão supracitada está demarcada por uma transcrição da fala da personagem. Dessa forma, em toda a estrutura do texto, verifica-se o padrão normativo.