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ID
1562452
Banca
IBFC
Órgão
EBSERH
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto 

                                                     O amor acaba


                                                                               (Paulo Mendes Campos)   

      O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.

Por meio de sua seleção vocabular, o autor também imprime efeitos de sentido ao seu texto. Assim, a linguagem por ele empregada pode ser caracterizada como predominantemente:

Alternativas
Comentários
  • Esse comentário explicou tudo!!

  • O comentário da Flavia não explica nada.

    É apenas o gabarito q facilitará a vida dos concurseiros que não assinam a QC.

    Boa! Flavia.

  • Obrigado Flávia ! Você é fera ! Continue assim ! Você vai longe!!!

  • Fundamentalmente, a linguagem simbólica opera por analogias (semelhanças entre palavras e sons, entre palavras e coisas) e por metáforas (emprego de uma palavra ou de um conjunto de palavras para substituir outras e criar um sentido poético para a expressão).

    A linguagem simbólica realiza-se principalmente como imaginação. A linguagem conceitual procura evitar a analogia e a metáfora, esforçando-se para dar às palavras um sentido direto e não figurado ou figurativo. Isso não quer dizer que a linguagem conceitual seja puramente denotativa. Pelo contrário, nela a conotação é essencial, mas não possui uma natureza imaginativa ou imagética. 

    A linguagem simbólica (dos mitos, da religião, da poesia, do romance, do teatro)

    ● a linguagem simbólica é fortemente emotiva e afetiva, enquanto a linguagem conceitual procura falar das emoções e dos afetos sem se confundir com eles e sem se realizar por meio deles;

    ● a linguagem simbólica oferece sínteses imediatas (imagens), enquanto a linguagem conceitual procede por desconstrução analítica e reconstrução sintética dos objetos, fazendo com que acompanhemos cada passo da análise e da síntese;

    ● a linguagem simbólica nos oferece palavras polissêmicas, isto é, carregadas de múltiplos sentidos simultâneos e diferentes, tanto sentidos semelhantes e em harmonia, quanto sentidos opostos e contrários; a linguagem conceitual procura diminuir ao máximo a polissemia e a conotação, buscando fazer com que cada palavra tenha um sentido próprio e que seus diferentes sentidos dependam do contexto no qual é empregada;

    ● a linguagem simbólica leva-nos para dentro dela, arrasta-nos para seu interior pela força de seu sentido, de suas evocações, de sua beleza, de seu apelo emotivo e afetivo; a linguagem conceitual busca convencer-nos e persuadir-nos por meio de argumentos, raciocínios e provas. A linguagem simbólica fascina e seduz; a linguagem conceitual exige o trabalho lento do pensamento;

    ● a linguagem simbólica nos dá a conhecer o mundo criando um outro, análogo ao nosso, porém mais belo ou mais terrível do que o nosso, mais justo ou mais violento do que o nosso, mais antigo ou mais novo do que o nosso, mais visível ou mais oculto do que o nosso; a linguagem conceitual busca dizer o nosso mundo, decifrando seu sentido, ultrapassando suas aparências e seus acidentes;

    ● a linguagem simbólica, privilegiando a memória e a imaginação, nos diz como as coisas ou os homens poderiam ter sido ou poderão ser, voltando-se para um possível passado ou para um possível futuro; a linguagem conceitual busca dizer o nosso presente, fala do necessário, determinando suas causas ou motivos e razões; procura também as linhas de força de suas transformações e o campo dos possíveis, como possibilidade objetiva e não apenas desejada ou sonhada.

    https://filosofandoehistoriando.blogspot.com.br/2015/03/linguagem-simbolica-e-linguagem.html