TEXTO 8
CAPÍTULO XVIII
Rubião e o cachorro, entrando em casa, sentiram, ouviram a pessoa e as vozes do finado amigo. Enquanto o cachorro farejava por toda a parte, Rubião foi sentar-se na cadeira, onde estivera quando Quincas Borba referiu a morte da avó com explicações científicas. A memória dele recompôs, ainda que de embrulho e esgarçadamente, os argumentos do filósofo. Pela primeira vez, atentou bem na alegoria das tribos famintas e compreendeu a conclusão: “Ao vencedor, as batatas!”. Ouviu distintamente a voz roufenha do finado expor a situação das tribos, a luta e a razão da luta, o extermínio de uma e a vitória da outra, e murmurou baixinho:
— Ao vencedor, as batatas!
Tão simples! tão claro! Olhou para as calças de brim surrado e o rodaque cerzido, e notou que até há pouco fora, por assim dizer, um exterminado, uma bolha; mas que ora não, era um vencedor. Não havia dúvida; as batatas fizeram-se para a tribo que elimina a outra a fim de transpor a montanha e ir às batatas do outro lado. Justamente o seu caso. Ia descer de Barbacena para arrancar e comer as batatas da capital. Cumpria-lhe ser duro e implacável, era poderoso e forte. E levantando-se de golpe, alvoroçado, ergueu os braços exclamando:
— Ao vencedor, as batatas!
Gostava da fórmula, achava-a engenhosa, compendiosa e eloquente, além de verdadeira e profunda. Ideou as batatas em suas várias formas, classificou-as pelo sabor, pelo aspecto, pelo poder nutritivo, fartou- -se antemão do banquete da vida. Era tempo de acabar com as raízes pobres e secas, que apenas enganavam o estômago, triste comida de longos anos; agora o farto, o sólido, o perpétuo, comer até morrer, e morrer em colchas de seda, que é melhor que trapos. E voltava à afirmação de ser duro e implacável, e à fórmula da alegoria. Chegou a compor de cabeça um sinete para seu uso, com este lema: AO VENCEDOR AS BATATAS.
Esqueceu o projeto do sinete; mas a fórmula viveu no espírito de Rubião, por alguns dias: — Ao vencedor as batatas! Não a compreenderia antes do testamento; ao contrário, vimos que a achou obscura e sem explicação. Tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e que o melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: Ática,
2011. p. 38-39.)
Machado de Assis (Texto 8) possui uma obscuridade
que fascina o leitor, na medida em que o desconcerta.
A magia de suas palavras e seus sentidos de mistério
agem profundamente, embora a compreensão permaneça desorientada. No entanto, deve-se ressaltar que a linguagem
literária não expressa tipos, conceitos ou emoções; é um leque de interpretações. O que faz a literatura
ser literatura é a literariedade. Literariedade é a elevação
da língua à sua função máxima, sua plurissignificação,
sua polissemia, seu poder de sugestão, estranheza e sua
linguagem solitária, mas solidária. Com relação à literatura
de Machado de Assis, considerando o texto escolhido,
analise as afirmativas a seguir:
I-O escritor buscou, por meio de personagens, transfigurar
o embate entre a essência e a aparência, o
caráter relativo da moral humana, as convenções sociais
e os impulsos piores, a normalidade, a loucura
e a precariedade da condição humana.
II-Machado, em Quincas Borba, exprimiu uma visão
pessimista em relação à vida e ao ser humano. Mais
do que pessimista ou negativista, a postura do escritor
é niilista.
III-A “teoria do Humanitismo", elaborada no romance
Quincas Borba pelo “louco filósofo" Quincas Borba,
pretende demonstrar que, na luta pela vida, vence
sempre o mais forte, o mais esperto.
IV-Em Machado de Assis, a preocupação fundamental é
a análise dos fatos; as personagens ficam em segundo
plano e são apresentadas à medida que afloram à
consciência ou à memória do narrador. Por essa razão,
a narrativa não segue uma ordem cronológica,
mas sim obedece a um ordenamento interior.
Em relação às proposições analisadas, marque a
única alternativa cujos itens estão todos corretos: