"O ar da cidade liberta", diz um provérbio alemão do fim da
Idade Média. Depois, no início do século 20, pensadores como
Georg Simmel e Walter Benjamin mostraram como a grande
cidade, lugar da massa, é, paradoxalmente, o lugar da
individualidade. Pois, no contexto de comunidades pequenas, a
liberdade individual está sempre tolhida pelo olhar e julgamento do
vizinho. Já na cidade, ao contrário, o sujeito é anônimo na multidão,
por isso está livre para ser ele mesmo, isto é, ser outro, aquilo que
não se esperaria dele.
Toda a graça da cidade, assim, repousa no fato de que ela
existe para dar espaço à individualidade, não ao individualismo.
Lugar da coletividade, ela se funda sobre as noções de comum e
de público. Na cidade, vivemos com uma multidão que não
escolhemos. A boa convivência com esses outros depende da
aceitação da diferença como algo estruturante. Aqui está o ponto
crucial. A aceitação radical da diferença supõe a empatia, mas não
a simpatia nem a recusa. É o que Richard Sennett, em "Juntos",
define como conversa dialógica. Uma conversa que não supõe
concordância total, mas uma gestão orquestrada de conflitos.
Daí que o atributo essencial de um espaço público vivo seja
o conflito, não a falsa harmonia. Igualmente, o temor da violência
urbana, pretensamente protegido atrás de muros e cercas elétricas,
aparentemente não enxerga o quanto acaba sendo, ele mesmo,
produtor de violência, pois a cidade não pode ser segura apenas
para alguns. Sua lição histórica é a de que a defesa do interesse
individual não deve ser antagônica a uma visão solidária da
coletividade.
(Adaptado de: WISNIK, Guilherme. Disponível em: http://www1.
folha.uol.com.br/ilustrada/)
O paradoxo mencionado no texto, relacionado à vida na grande cidade, refere-se ao fato de que