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ID
1612327
Banca
PM-MG
Órgão
PM-MG
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

“Minha empregada é muito abusada”

Rosana Pinheiro Machado


    Esta coluna começou no churrasco de domingo, quando, na fila do supermercado, uma mulher disse: "Minha empregada está muito abusada". Sua interlocutora respondeu: "Nem me fale, a minha também". Ao longo do almoço, eu e meus amigos tentávamos explicar o que significava a palavra “abusada” para um estrangeiro. Como fazê-lo entender que, independentemente da eficiência, a maioria das empregadas brasileiras seria, em algum momento, considerada “abusada”?

    A dificuldade era dimensionar a extensão do conceito. Começamos pela obviedade do significado da palavra “abuso”, que remete a algo de superlativo. Abusar é usar alguma coisa além do limite socialmente esperado. Por exemplo, quando a empregada é abusada por não subir no elevador de serviço, mas no social.

    Prossegui, explicando que se a empregada come muito, se toma muito refrigerante da geladeira ou come as bolachas de chocolate, ela é abusada. Se ela pede uma roupa emprestada, é abusada. Se ela senta à mesa com a família, é abusada.

    De todos esses exemplos, ele concluiu que abusada é aquela que quer mais do que lhe foi dado, que cobiça as coisas da patroa. A conversa ficou mais complexa porque tivemos de responder que “não”, que o oposto também era verdadeiro: uma empregada que quer “de menos” também é abusada. Seguimos explicando que, se a patroa oferece uma roupa velha, furada e fedida e empregada “tem a au-dá-cia” de não aceitar, ela é abusada.

    Ele concluiu, então, que uma boa empregada seria, então, aquela que assume “o seu lugar”: não pede muito, mas aceita de bom grado o que lhe é dado. Colocando o pé para fora dessa faixa muito estreita de atuação, ela é abusada. (...)

    A negação de presentes indignos por parte das empregadas traz à tona diversas camadas complexas de significados. A forma desajeitada como as patroas reagem escancara a profunda patologia social de uma classe média presa ao século XVII – provavelmente, em uma época em que ela se imagina numa casa-grande, cheia de porcelana inglesa e de escravos à volta, preferencialmente com uma negra para cozinhar. Ou melhor, ela se imagina em uma novela da Rede Globo do século XXI, onde a mulher negra ainda é explorada 24 horas por dia a serviço de suas patroas ricas.

   Essas patroas esperam empregadas sem agência, sem protagonismo, sem voz, sem vontade e sem opinião. (...). Elas esperam seres eternamente gratos por receberem restos. Nessa lógica em que, já diria Marcel Mauss, dar é poder, uma empregada que pede mais dinheiro para lavar a privada suja ou exige seus direitos garantidos na Constituição, só pode ser abusada. (...)

    Por tudo isso, eu penso que não aceitar qualquer presente é um marco muito importante na passagem de uma relação servil para a profissional (...). A negação revela a emergência de uma subjetividade repleta de vontades que se impõem na esfera do trabalho. É da negação que surge uma nova era no Brasil, pois ela quebra o círculo da dádiva e rompe com o poder do doador, estabelecendo uma condição de igualdade baseada na troca de serviços – e não de favores.

    As transformações recentes da sociedade brasileira indicam um leve rompimento (...) de uma relação tão pessoal quanto doentia entre patroas e empregadas. Indica o fim do ser humano como posse de outro ser humano. E isso, é claro, causa desespero, lamentação, recalque e conflitos.

    Ainda tem muito a ser feito e conquistado. Muito mesmo. Espero que chegue o dia em que eu não precise explicar o sentido da palavra "abusada". Neste dia, perder-se-á também alguma flexibilidade do modelo de empregadas dentro de casa. Será preciso se acostumar a ouvir “não, obrigada” e aprender a curtir genuinamente as fotos postadas daquela viagem. Neste dia, o serviço da limpeza será mais custoso, mas não há saída: esse é o preço de nosso desenvolvimento e de nossa liberdade enquanto nação.


Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/201cminha-empregada-e-muito-abusada201d-7617.html - Acessado em 14/05/2014 - Texto adaptado.

“Espero que chegue o dia em que eu não precise explicar o sentido da palavra 'abusada'. Neste dia, perder-se-á também alguma flexibilidade do modelo de empregadas dentro de casa. Será preciso se acostumar a ouvir 'não, obrigada' e aprender a curtir genuinamente as fotos postadas daquela viagem. Neste dia, o serviço da limpeza será mais custoso (...)”. De acordo com o trecho, podemos afirmar que:

Alternativas
Comentários
  • A alternativa A também me parece correta!

  • Só gostaria de saber, em qual momento do "trecho" o autor afirmou que "As empregadas não mais serão chamadas de abusadas"?

  • Questão muito subjetiva. Também marquei "A".

  • Questão muito subjetiva. Também marquei "A".

  • Gabarito D.

    A questão trata da relação entre patrão e empregado, e da valorização social e não financeira.

    ...É da negação que surge uma nova era no Brasil, pois ela quebra o círculo da dádiva e rompe com o poder do doador, estabelecendo uma condição de igualdade baseada na troca de serviços – e não de favores.

  • Odeio este tipo de questão. Deixa aberta a interpretação tanto minha como de quem quer a resposta no contexto fático do texto. Como afirmaram os demais colegas, além de ser subjetiva, pergunta sobre o trecho lido e neste não consigo em momento algum afirmar ou tampouco achar a resposta correta como a letra A. 

  • Letra D

    Fiquei na duvida entre a letra A e a letra D,mas se analisarmos poderemos marcar a letra D, se elas vão ser mais cordial com os patrões com certeza os patrões não chamaram elas de abusada. 

  • O autor não chega a dizer, explicitamente, que "as empregadas não serão mais chamadas de abusadas". Mas, quando diz "Espero que chegue o dia em que eu não precise explicar o sentido da palavra 'abusada' ", ele deixa entender que, se não precisa explicar o sentido da palavra, é porque essa palavra já deixou de ser usada. Dá, então, a compreender que as empregadas não mais serão chamadas de abusadas. 

  • Questão muito subjetiva. Também marquei "A".

  • Pra quem marcou A o erro está em valorização do serviço, e não é a valorização do serviço mas sim da pessoa, a empregada.

  • Os colegas aqui deram algumas respostas até convincentes, porém a de se observar que o comando da questão usa o termo AFIRMAR, isso na minha opinião pede que procuremos algo que esteja explícito no TRECHO e não algo implícito no contexto geral do texto.

  • Ao valorizar o profissional a valorização do serviço acaba por ser uma consequência, se não fosse a autora não concluiría o trecho com: "Neste dia, o serviço da limpeza será mais custoso"

    Esta questão tem no mínimo uma duplicidade de respostas sim, essa justificativa é falha.

    Elvis, todas as justificativas dadas para a proposição D também necessitaram de uma interpretação acerca da afirmação "Espero que chegue o dia em que eu não precise explicar o sentido da palavra 'abusada'."

  • Mais de 66% de erros na questão... algo está errado com essa questão e não com os candidatos, convenhamos...muito subjetiva, marquei a "A" também.

     

     

     

     

     

    "A NOITE É MAIS SOMBRIA UM POUCO ANTES DO AMANHECER"

  • A questão não está subjetiva, o que estava falando é que, as empregadas são muito humilhadas, logo pede-se uma valorização como pessoa, não com o financeiro, tanto que o próprio texto afirma que os serviços ficarão mais caros.

  • achei q questão mal formulada.