SóProvas


ID
1612330
Banca
PM-MG
Órgão
PM-MG
Ano
2015
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

“Minha empregada é muito abusada”

Rosana Pinheiro Machado


    Esta coluna começou no churrasco de domingo, quando, na fila do supermercado, uma mulher disse: "Minha empregada está muito abusada". Sua interlocutora respondeu: "Nem me fale, a minha também". Ao longo do almoço, eu e meus amigos tentávamos explicar o que significava a palavra “abusada” para um estrangeiro. Como fazê-lo entender que, independentemente da eficiência, a maioria das empregadas brasileiras seria, em algum momento, considerada “abusada”?

    A dificuldade era dimensionar a extensão do conceito. Começamos pela obviedade do significado da palavra “abuso”, que remete a algo de superlativo. Abusar é usar alguma coisa além do limite socialmente esperado. Por exemplo, quando a empregada é abusada por não subir no elevador de serviço, mas no social.

    Prossegui, explicando que se a empregada come muito, se toma muito refrigerante da geladeira ou come as bolachas de chocolate, ela é abusada. Se ela pede uma roupa emprestada, é abusada. Se ela senta à mesa com a família, é abusada.

    De todos esses exemplos, ele concluiu que abusada é aquela que quer mais do que lhe foi dado, que cobiça as coisas da patroa. A conversa ficou mais complexa porque tivemos de responder que “não”, que o oposto também era verdadeiro: uma empregada que quer “de menos” também é abusada. Seguimos explicando que, se a patroa oferece uma roupa velha, furada e fedida e empregada “tem a au-dá-cia” de não aceitar, ela é abusada.

    Ele concluiu, então, que uma boa empregada seria, então, aquela que assume “o seu lugar”: não pede muito, mas aceita de bom grado o que lhe é dado. Colocando o pé para fora dessa faixa muito estreita de atuação, ela é abusada. (...)

    A negação de presentes indignos por parte das empregadas traz à tona diversas camadas complexas de significados. A forma desajeitada como as patroas reagem escancara a profunda patologia social de uma classe média presa ao século XVII – provavelmente, em uma época em que ela se imagina numa casa-grande, cheia de porcelana inglesa e de escravos à volta, preferencialmente com uma negra para cozinhar. Ou melhor, ela se imagina em uma novela da Rede Globo do século XXI, onde a mulher negra ainda é explorada 24 horas por dia a serviço de suas patroas ricas.

   Essas patroas esperam empregadas sem agência, sem protagonismo, sem voz, sem vontade e sem opinião. (...). Elas esperam seres eternamente gratos por receberem restos. Nessa lógica em que, já diria Marcel Mauss, dar é poder, uma empregada que pede mais dinheiro para lavar a privada suja ou exige seus direitos garantidos na Constituição, só pode ser abusada. (...)

    Por tudo isso, eu penso que não aceitar qualquer presente é um marco muito importante na passagem de uma relação servil para a profissional (...). A negação revela a emergência de uma subjetividade repleta de vontades que se impõem na esfera do trabalho. É da negação que surge uma nova era no Brasil, pois ela quebra o círculo da dádiva e rompe com o poder do doador, estabelecendo uma condição de igualdade baseada na troca de serviços – e não de favores.

    As transformações recentes da sociedade brasileira indicam um leve rompimento (...) de uma relação tão pessoal quanto doentia entre patroas e empregadas. Indica o fim do ser humano como posse de outro ser humano. E isso, é claro, causa desespero, lamentação, recalque e conflitos.

    Ainda tem muito a ser feito e conquistado. Muito mesmo. Espero que chegue o dia em que eu não precise explicar o sentido da palavra "abusada". Neste dia, perder-se-á também alguma flexibilidade do modelo de empregadas dentro de casa. Será preciso se acostumar a ouvir “não, obrigada” e aprender a curtir genuinamente as fotos postadas daquela viagem. Neste dia, o serviço da limpeza será mais custoso, mas não há saída: esse é o preço de nosso desenvolvimento e de nossa liberdade enquanto nação.


Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/201cminha-empregada-e-muito-abusada201d-7617.html - Acessado em 14/05/2014 - Texto adaptado.

Após a leitura do texto, marque a alternativa CORRETA.

Alternativas
Comentários
  • Eu vejo, no mínimo, duas respostas certas, de acordo com o texto.


  • Gabarito: Letra D.

    A -  Incorreta.Não há reflexão das patroas. O texto começa justamente com duas mulheres chamando as suas respectivas empregadas de abusadas.

    B- Incorreta. " Essas patroas esperam empregadas sem agência, sem protagonismo, sem voz, sem vontade e sem opinião"

    C- Incorreta. "(...) De todos esses exemplos, ele concluiu que abusada é aquela que quer mais do que lhe foi dado, que cobiça as coisas da patroa (...) A conversa ficou mais complexa porque tivemos de responder que “não”(...)"

    D- Correta. "Elas esperam seres eternamente gratos por receberem restos."

  • Letra A) errado -  Refletir leva a ideia de analisar uma ação mal executada por parte da patroa. Na verdade, a recusa leva a patroa a criticar a ação da empregada.

    Letra B) errado - As patroas esperam empregadas submissas, o que é o oposto de protagonistas.

    Letra C errado - Essa afirmação não se encontra no texto. Para a patroa, a empregada abusada é aquela que não age conforme o desejo da patroa.


  • Provinha cabulosa! No mínimo com duas respostas corretas ou com falta de complementação,tipo: 
    Dentro do contexto... Conforme as personagens... etc, etc, etc.  Vejam o trecho abaixo do texto:

        De todos esses exemplos, ele concluiu que abusada é aquela que quer mais do que lhe foi dado, que cobiça as coisas da patroa. A conversa ficou mais complexa porque tivemos de responder que “não”, que o oposto também era verdadeiro: uma empregada que quer “de menos” também é abusada. Seguimos explicando que, se a patroa oferece uma roupa velha, furada e fedida e empregada “tem a au-dá-cia” de não aceitar, ela é abusada.

  • Na verdade, o que acontece é que nós concurseiros que estamos vendo duas respostas certas temos intimidade com o raciocínio lógico. Mais intimidade do que o autor do texto pelo menos.

    No texto está:

    "De todos esses exemplos, ele concluiu que abusada é aquela que quer mais do que lhe foi dado, que cobiça as coisas da patroa. A conversa ficou mais complexa porque tivemos de responder que “não”, que o oposto também era verdadeiro: uma empregada que quer “de menos” também é abusada. Seguimos explicando que, se a patroa oferece uma roupa velha, furada e fedida e empregada “tem a au-dá-cia” de não aceitar, ela é abusada."

    Opa... "tivemos de responder que 'não'", que o oposto também era verdadeiro." Ora... como "não", se o oposto TAMBÉM é verdadeiro. O fato de querer mais e querer menos só é aparentemente contraditório. A empregada, na verdade, quer determinadas coisas que não lhe forem ofertadas. "Se ela pede uma roupa emprestada, é abusada." Portanto, letra "c" está correta: A empregada abusada cobiça as coisas da patroa.


    Todavia, o problema é que devemos responder a questão de acordo com o autor do texto e sua falta de lógica que lhe acompanha.
    Não me espanta ser da Carta Capital...

  • a) o ato de refletir é pensar, a patroa não pensa, ela fica indignada

    b) Empregadas protagonistas? elas querem empregadas que aceitam tudo, nada de protagonista

    c) Cobiça coisas da patroa? isso chega a ser absurdo, pois elas rejeitam as coisas oferecidas pela patroa 

    Fica explicito nessa parte ''uma boa empregada seria, então, aquela que assume “o seu lugar”: não pede muito, mas aceita de bom grado o que lhe é dado. ''


    letra D a certa
  • No texto ele defende a relação na qual a patroa tenha uma imagem da empregada.

  •   Essas patroas esperam empregadas sem agência, sem protagonismo, sem voz, sem vontade e sem opinião. (...). Elas esperam seres eternamente gratos por receberem restos. Nessa lógica em que, já diria Marcel Mauss, dar é poder, uma empregada que pede mais dinheiro para lavar a privada suja ou exige seus direitos garantidos na Constituição, só pode ser abusada. (...)

  • 2 RESPOSTAS:

    C e D

    C - LEIAM O TRECHO:  De todos esses exemplos, ele concluiu que abusada é aquela que quer mais do que lhe foi dado, que cobiça as coisas da patroa.