TEXTO V
SOTAQUE MINEIRO: É ILEGAL, IMORAL OU ENGORDA?
Gente, simplificar é um pecado. Se a vida não fosse tão corrida, se não tivesse tanta conta para pagar, tantos processos — oh sina — para analisar, eu fundaria um partido cuja luta seria descobrir as falas de cada região do Brasil.
Cadê os linguistas deste país? Sinto falta de um tratado geral das sotaques brasileiros. Não há nada que me fascine mais. Como é que as montanhas, matas ou mares influem tanto, e determinam a cadência e a sonoridade das palavras?
(...)
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: pó parar. Não dizem: onde eu estou?, dizem: ôndôtô?). Parece que as palavras, para os mineiros, são como aqueles chatos que pedem carona. Quando você percebe a roubada, prefere deixá-los no caminho.
(...)
Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro — metaforicamente falando, claro — ele é bom de serviço. Faz sentido...
Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: cê tá boa? Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa, é como perguntar a um peixe se ele sabe nadar. Desnecessário.
Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: — Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc).(...).
Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: — Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.
(...)
Mineiras não dizem apaixonado por. Dizem, sabe-se lá por que, apaixonado com. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: Ah, eu apaixonei com ele.... Ou: sou doida com ele (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro). Elas vivem apaixonadas com alguma coisa.
(Texto de Felipe Peixoto Braga Netto - Crônica extraída do livro "As coisas simpáticas da vida", Landy Editora, São Paulo (SP) -
2005, pág. 82. Publicação retirada do site: http://goo.gl/ajNZpc. - Acesso em 14.6.2015).
Teoricamente, a noção de sotaque aplica-se apenas às variações linguísticas relativas à pronúncia das palavras. No título do texto, Sotaque mineiro: é ilegal, imoral ou engorda?, há uma sinalização de que o tema variação linguística será tratado levando-se em conta essa dimensão, mas verificam-se referências a outras dimensões de variação. A opção em que a ideia de sotaque é evidenciada mais pontualmente é