Travaglia define tipologia textual como aquilo que
pode instaurar um modo de interação, uma maneira
de interlocução, segundo perspectivas que podem variar.
Nessa perspectiva, sobre as característica s
marcantes referentes à tipologia textual a que
pertence Os laços de família, leia as afirmativas.
I. No texto, há o predomínio de relações e
progressões lógicas de ideias, impessoalidade,
objetividade, apresentando o posicionamento do
falante de forma explícita, argumentos, e/ou contra-argumentos.
II. A tipologia a qual o texto representa possui
predomínio de expressões de sentido imperativo,
de formas verbais também no imperativo, no
infinitivo ou no futuro do presente, além de formas
adverbiais, objetivando informar e recriar a realidade.
III. O texto apresenta sequenciação própria da
enunciação de fatos que envolvem personagens
movidos por certos propósitos e respectivas
ações encadeadas na linha do tempo.
Está (ão) correta(s) somente a(s) afirmativas:
Os laços de família
A mulher e a mãe acomodaram-se finalmente
no táxi que as levaria à Estação. A mãe contava e
recontava as duas malas tentando convencer-se de
que ambas estavam no carro. Afilha, com seus olhos
escuros, a que um ligeiro estrabismo dava um
contínuo brilho de zombaria e frieza assistia.
- Não esqueci de nada? perguntava pela terceira vez a mãe
- Não, não, não esqueceu de nada, respondia
a filha divertida, com paciência.
Ainda estava sob a impressão da cena meio
cômica entre sua mãe e seu marido, na hora da
despedida. Durante as duas semanas da visita da
velha, os dois mal se haviam suportado; os bons-dias
e as boas-tardes soavam a cada momento com uma
delicadeza cautelosa que a fazia querer rir. Mas eis
que na hora da despedida, antes de entrarem no táxi,
a mãe se transformara em sogra exemplar e o marido
se tornara o bom genro. “Perdoe alguma palavra mal
dita”, dissera a velha senhora, e Catarina, com
alguma alegria, vira Antônio não saber o que fazer
das malas nas mãos, a gaguejar - perturbado em ser
o bom genro. “Se eu rio, eles pensam que estou
louca”, pensara Catarina franzindo as sobrancelhas.
“Quem casa um filho perde um filho, quem casa uma
filha ganha mais um”, acrescentara a mãe, e Antônio
aproveitara sua gripe para tossir. Catarina, de pé,
observava com malícia o marido, cuja segurança se
desvanecera para dar lugar a um homem moreno e
miúdo, forçado a ser filho daquela mulherzinha
grisalha... Foi então que a vontade de rir tornou-se
mais forte. Felizmente nunca precisava rir de fato
quando tinha vontade de rir: seus olhos tomavam
uma expressão esperta e contida, tornavam-se mais
estrábicos - e o riso saía pelos olhos. Sempre doía um
pouco ser capaz de rir. Mas nada podia fazer contra:
desde pequena rira pelos olhos, desde sempre fora estrábica.
[...]
- Não esqueci de nada..., recomeçou a mãe,
quando uma freada súbita do carro lançou-as uma
contra a outra e fez despencarem as malas. — Ah! ah!
- exclamou a mãe como a um desastre irremediável,
ah! dizia balançando a cabeça em surpresa, de
repente envelhecida e pobre. E Catarina?
Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha,
e também a Catarina acontecera um desastre? seus
olhos piscaram surpreendidos, ela ajeitava depressa
as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente
possível remediar a catástrofe. Porque de fato
sucedera alguma coisa, seria inútil esconder:
Catarina fora lançada contra Severina, numa
intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do
tempo em que se tem pai e mãe. Apesar de que nunca
se haviam realmente abraçado ou beijado. Do pai,
sim. Catarina sempre fora mais amiga. Quando a mãe
enchia-lhes os pratos obrigando-os a comer demais,
os dois se olhavam piscando em cumplicidade e a
mãe nem notava. Mas depois do choque no táxi e
depois de se ajeitarem, não tinham o que falar - por
que não chegavam logo à Estação?
- Não esqueci de nada, perguntou a mãe com voz resignada.
Catarina não queria mais fitá-la nem responder-lhe
Tome suas luvas! disse-lhe, recolhendo-as do chão
- Ah! ah! minhas luvas! exclamava a mãe
perplexa. Só se espiaram realmente quando as malas
foram dispostas no trem, depois de trocados os
beijos: a cabeça da mãe apareceu na janela.
Catarina viu então que sua mãe estava
envelhecida e tinha os olhos brilhantes.
O trem não partia e ambas esperavam sem ter
o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e
examinou-se no seu chapéu novo, comprado no
mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um
ar excessivamente severo onde não faltava alguma
admiração por si mesma. A filha observava divertida.
Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a
mulher rindo pelos olhos ; e o peso da
responsabilidade deu-lhe à boca um gosto de
sangue. Como se “mãe e filha” fosse vida e
repugnância. Não, não se podia dizer que amava sua
mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o
espelho na bolsa, e fitava-a sorrindo.
LISPECTOR, Clarice. In: Os melhores contos de Clarice
Lispector. Seleção de Walnice Nogueira Galvão. São Paulo:Global,1996.p 70-7.