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Um sonho de simplicidade
Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz
da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será
um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providências
a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar
tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me
fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber
uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra
ou amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco,
saber intrigas?
A vida bem poderia ser mais simples. Precisamos de uma
casa, comida, uma simples mulher, que mais? Que se possa
andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio.
Que restaurante ou boate me deu o prazer que tive na
choupana daquele velho caboclo do Acre? A gente tinha ido
pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na
lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem
cansados, meio molhados, com frio, subimos a barranca, no
meio do mato, e chegamos à choça de um velho seringueiro.
Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto do fogo,
depois me deitei numa grande rede branca – foi um carinho
ao longo de todos os músculos cansados. E então ele me
deu um pedaço de peixe moqueado. Que prazer em comer
aquele peixe e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e
vozes distantes de animais noturnos.
Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas
urbanas, inaugurar de repente uma vida de acordar
bem cedo? Mas para instaurar uma vida mais simples e
sábia, então seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não
assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse
ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas… Seria preciso
fazer algo de sólido e de singelo; tirar areia do rio, cortar
lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse
o corpo, mas deixasse a alma sossegada e limpa.
(Rubem Braga. A traição das elegantes.
Rio de Janeiro: Record, 1982. Adaptado)
A experiência em meio à natureza, relatada no terceiro parágrafo, relaciona-se