TEXTO 4
A dúvida, continuou Laura, maldita dúvida. Essa é minha companheira, a sombra inconveniente que me segura pelos calcanhares, que há de seguir comigo até o túmulo. A morte de Tomázia, será que ela me convinha? Talvez me conviesse. Essa hipótese, eu não tenho como descartar. Seu desaparecimento anularia a prova de meu crime? Teria poder para apaziguar a culpa que continuava latejando mesmo depois de meu rompimento definitivo com Vítor? A dúvida acabou se revelando muito superior à certeza. Mil, um milhão de vezes mais forte. Talvez se eu tivesse sido obrigada a confessar meu crime aos pés de um juiz, se tivesse sido enjaulada entre mulheres que me odiavam, que me submetessem ao horror do estupro, que atentassem contra minha pessoa, a sensação de culpa tivesse sido atenuada. Juro que cheguei a sentir inveja do destino reservado às muçulmanas que cometem o pecado do adultério. Desejei, sim, ser publicamente difamada, arrastada pelos cabelos, enterrada até o pescoço, e, finalmente, ter a cabeça esfacelada a pedradas. Qualquer coisa, qualquer situação limite teria sido menos penosa do que seguir carregando a culpa, enquanto simulava a mais absoluta indiferença. Não tenho vocação para o disfarce, a simulação. Ah, como eu lamentei a perda de meu direito de exibir minha fraqueza como outras mulheres faziam! Mas não, eu tinha a permanente obrigação de ser forte, de estar preparada para o momento em que meu mundo viesse abaixo, como veio.
A visão de mulheres com as cabeças esfaceladas, transformadas em um bolo de carne sangrento e disforme, partículas de cérebro espatifadas pra tudo que é lado, arrepiou meu corpo dolorido. Sentindo um princípio de náusea, comecei a fungar uma emoçãozinha desconfiada. Essa bruxa tá me embromando, penso, daqui a pouco eu entro na dela, caio em prantos e, alagada de piedade, abraço a velha, aliso seus cabelos grisalhos, cubro-lhe a face enrugada com beijinhos consoladores. Calma, tia, calma! Cuidado com a pressão. Tem aí algum tranquilizante que eu possa lhe dar?
(BARROS, Adelice da Silveira. A mesa dos inocentes. Goiânia: Kelps, 2010. p. 23.)
O Texto 4 retrata o conflito de uma mulher consigo
mesma em razão de um sentimento de culpa. Culpa e
punição sempre estiveram presentes no universo feminino.
Durante a Idade Média e no limiar da modernidade,
na Europa, as atitudes das mulheres eram vistas como
ameaças à ordem estabelecida pelo poder patriarcal e
pelo poder soberano, em nome do povo, para defender
a moral e o direito da comunidade. Analise os itens a
seguir sobre a temática:
I-Para os teólogos e moralistas da Idade Média, a sensualidade
da mulher sempre esteve no centro das
reprovações. Por isso, a preocupação constante dos
religiosos com a repressão ou o controle da sexualidade,
pois as mulheres, fracas e entregues aos próprios instintos, dificilmente resistiam às artimanhas
do Demônio.
II-As canções medievais das fiandeiras retratam o espaço
privado das mulheres como lugar de recolhimento,
de devaneio, de espera e de convivência.
III-Na perspectiva do pensamento burguês, a imagem
da mulher aparece depreciada nas narrativas literárias dos séculos XIV e XV. O amor cortês se transforma
em ridicularização, malícia e reprovação dos
excessos das mulheres, especialmente a gula e a falta
de controle dos instintos.
De acordo com os itens analisados, marque a alternativa
que contém apenas proposições corretas: