Vontade de punir
Deu no Datafolha que 87% dos brasileiros querem baixar a maioridade penal. Maiorias assim robustas, que já são raras em
questões sociais, ficam ainda mais intrigantes quando se considera que, entre especialistas, o assunto é controverso. Como explicar
o fenômeno?
Estamos aqui diante de um dos mais fascinantes aspectos da natureza. Se você pretende produzir seres sociais, precisa
encontrar um modo de fazer com que eles colaborem uns com os outros e, ao mesmo tempo, se protejam dos indivíduos dispostos
a explorá-los. A fórmula que a evolução encontrou para equacionar esse e outros dilemas foi embalar regras de conduta em instintos,
emoções e sentimentos que provocam ações que funcionam em mais instâncias do que não funcionam.
Assim, para evitar a superexploração pelos semelhantes, desenvolvemos verdadeiro horror àquilo que percebemos como
injustiças. Na prática, isso se traduz no impulso que temos de punir quem tenta levar vantagem indevida. Quando não podemos
castigá-los diretamente, torcemos para que levem a pior, o que, além de garantir o sucesso de filmes de Hollywood, torna a justiça
retributiva algo popular em nossa espécie.
Isso, porém, é só parte do problema. Uma sociedade pautada apenas pelo ideal de justiça soçobraria. Se cada mínima ofensa
exigisse imediata reparação e todos tivessem de ser tratados de forma rigorosamente idêntica, a vida comunitária seria impossível.
A natureza resolve isso com sentimentos como amor e favoritismo, que permitem, entre outras coisas, que mães prefiram seus
próprios filhos aos de desconhecidos.
Nas sociedades primitivas, bandos de 200 pessoas onde todos tinham algum grau de parentesco, o sistema funcionava
razoavelmente bem. Os ímpetos da justiça retributiva eram modulados pela empatia familiar. Agora que vivemos em grupos de
milhões sem vínculos pessoais, a vontade de punir impera inconteste.
SCHWARTSMAN, Hélio. Folhaonline, em 24 jun. 2015.
Assinale a alternativa que resume um posicionamento do autor do texto.