Nobel de Química quer tecnologia para a paz mundial
MARCO VARELLA (COLABORAÇÃO PARA A FOLHA)
Nascido em uma terra onde há escassez de água e
um conflito entre povos que parece não ter fim, o
pesquisador israelense Daniel Shechtman, 71, ganhador do
Nobel de Química no ano passado, resolveu bolar um plano
científico para a paz mundial.
A ideia é simples: ele quer ensinar a
empreendedores do planeta a receita para criar tecnologias
inovadoras.
"Assim, países como o Brasil ficarão menos
dependentes da exploração de matérias-primas em estado
bruto e, com isso, livres de futuros conflitos por causa de
recursos naturais finitos", afirma.
Em visita ao país, ele conversou com autoridades
da área científica, deu palestras em universidades e visitou
a comunidade de Paraisópolis. Confira a entrevista do
pesquisador, descobridor dos quasicristais - formados por
estruturas complexas que nunca se repetem.
Folha - Você tem o registro do momento exato da
descoberta que lhe rendeu o Nobel. Como foi detectar uma
configuração de sólido que não deveria existir?
Daniel Shechtman - Foi na manhã de 08 de abril de 1982.
Eu quase marquei a hora (risos). De início, achei que o
padrão que eu obtive vinha não de um, mas de muitos
cristais. No final do dia, eu não sabia do que se tratava, mas
já tinha certeza de que não era um erro metodológico. Ao
repetir o experimento, percebi que não havia cometido
erro algum, obtive sempre os mesmos resultados.
E como seus colegas receberam seus resultados? É verdade
que o sr. foi expulso de seu laboratório?
A maioria das pessoas não acreditou que eu tinha
encontrado algo novo. Sim, solicitaram que eu saísse do
meu grupo de pesquisa, não do meu laboratório. Foi mais
uma mudança administrativa, meu grupo de pesquisa não
queria mais estar associado a mim. Foi uma rejeição
científica e pessoal.
O que mudou na sua vida após receber o Nobel?
É uma mudança súbita e drástica. Estou tendo muito mais
exposição pública e a chance de conhecer pessoas
responsáveis por decisões importantes. Senti, então, que
eu tinha uma missão na Terra: promover a educação
científica e a paz mundial.
Qual o seu plano para a educação científica?
Comecei um projeto em Haifa [Israel] para ensinar ciência a
crianças com idade entre cinco e seis anos. Treinaremos
professores para ensinar pensamento lógico e racional,
métodos de quantificação, transformações da matéria e leis
de Newton na prática. Os pais de cada criança também estarão participando do processo, recebendo dicas para
abordar esses temas com seus filhos.
E quanto à paz mundial?
Estou promovendo a paz mundial por meio do fomento do
empreendedorismo tecnológico, da criação de start-ups
[empresas jovens voltadas para tecnologias inovadoras].
Há 26 anos venho ministrando uma disciplina de
empreendedorismo tecnológico que incentivou 10 mil
engenheiros e cientistas a abrirem start-ups até agora.
Nesse período Israel se tornou o país das start-ups.
Isso é extremamente importante para o Brasil,
que vai bem economicamente, mas faz isso graças à venda
de produtos primários, de minerais a grãos. É preciso
vender cérebro, inteligência, e não matéria-prima.
Assim, países como o Brasil ficarão menos
dependentes da exploração de matérias-primas em estado
bruto e, com isso, livres de futuros conflitos por causa de
recursos naturais finitos.
No futuro, grupos e tribos entrarão em guerras
locais para obter os últimos recursos não renováveis
remanescentes, o que poderá iniciar guerras maiores - isso,
aliás, já começou. Então, é melhor esses países começarem
a investir em inteligência agora.
O que é preciso para ter esse nível de empreendedorismo
tecnológico?
É preciso ter, primeiramente, pessoas qualificadas,
educação forte, e não ter medo de errar. Depois, é preciso
ter uma economia de livre mercado e incentivo do governo.
O sr. tem planos de incentivar iniciativas desse tipo em
outros países?
Sim, definitivamente. Deixe-me cometer todos os erros
nessa iniciativa em Haifa. Em um ou dois anos, quando eu
já souber o que dá certo, aplicarei o programa em outros
países. É só o começo, mas é a coisa certa a se fazer.
(Disponível em www.folha.uol.com.br)
"Isso é extremamente importante para o Brasil que vai bem economicamente, mas faz isso graças à venda de produtos primários, de minerais a grãos. É preciso vender cérebro, inteligência, e não matéria-prima."
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