SóProvas


ID
1837741
Banca
FUNCAB
Órgão
ANS
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

O espelho
Esboço de uma nova teoria da alma humana

   Quatro ou cinco cavalheiros debatiam, uma noite, várias questões de alta transcendência, sem que a disparidade dos votos trouxesse a menor alteração aos espíritos. A casa ficava no morro de Santa Teresa, a sala era pequena, alumiada a velas, cuja luz fundia-se misteriosamente com o luar que vinha de fora. Entre a cidade, com as suas agitações e aventuras, e o céu, em que as estrelas pestanejavam, através de uma atmosfera límpida e sossegada, estavam os nossos quatro ou cinco investigadores de coisas metafísicas, resolvendo amigavelmente os mais árduos problemas do universo.
   Por que quatro ou cinco? Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação. Esse homem tinha a mesma idade dos companheiros, entre quarenta e cinquenta anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico. Não discutia nunca; e defendia-se da abstenção com um paradoxo, dizendo que a discussão é a forma polida do instinto batalhador, que jaz no homem, como uma herança bestial; e acrescentava que os serafins e os querubins não controvertiam nada, e, aliás, eram a perfeição espiritual e eterna.
[...]
   Vai senão quando, no meio da noite, sucedeu que este casmurro usou da palavra, e não dois ou três minutos, mas trinta ou quarenta. A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos. Cada cabeça, cada sentença; não só o acordo, mas a mesma discussão tornou-se difícil, senão impossível, pela multiplicidade das questões que se deduziram do tronco principal e um pouco, talvez, pela inconsistência dos pareceres. Um dos argumentadores pediu ao Jacobina alguma opinião, - uma conjetura, ao menos.
   - Nem conjetura, nem opinião, redarguiu ele; uma ou outra pode dar lugar a dissentimento, e, como sabem, eu não discuto. Mas, se querem ouvir-me calados, posso contar-lhes um caso de minha vida, em que ressalta a mais clara demonstração
acerca da matéria de que se trata. Em primeiro lugar, não há uma só alma, há duas...
   - Duas?
   - Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação. Há casos, por exemplo, em que um simples botão de camisa é a alma exterior de uma pessoa; - e assim também a polca, o voltarete, um livro, uma máquina, um par de botas, uma cavatina, um tambor, etc. Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência inteira. Shylock, por exemplo. A alma exterior daquele judeu eram os seus ducados; perdê-los equivalia a morrer. ‘‘Nunca mais verei o meu ouro, diz ele a Tubal; é um punhal que me enterras no coração.” Vejam bem esta frase; a perda dos ducados, alma exterior, era a morte para ele. Agora, é preciso saber que a alma exterior não é sempre a mesma...
[...]
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II. (fragmento)

A construção de textos está sujeita a fatores combinatórios que tanto especificam as categorias/classes quanto apontam formas das unidades que o constituem.
À luz dessa diversidade combinatória, assinale a alternativa correta.

Alternativas
Comentários
  • Alguém sabe explicar essa questão?

    Gostaria de entender por que as palavras dESSA e QUE pertencem à mesma classe gramatical??
  • Carol, dessa é um pronome demonstrativo e que é um pronome relativo. Portanto, ambas pertencem a mesma classe (pronomes) mas são classificadas diferentemente ( demonstrativo e relativo, respectivamente).

  • No caso da alternativa B, caíra é pretérito mais-que-perfeito, portanto, em forma de locução verbal, é construído com verbo auxiliar + particípio, não com verbo auxiliar + infinitivo como a questão apresentou. Formas corretas poderiam ser havia caído ou tinha caído.

  • Colega David Joe, o pronome "dessa" é demonstrativo

    fonte:http://www.soportugues.com.br/secoes/morf/morf48.php.

  • No período destacado, existem 2 palavras 'que', essa questão poderia ser muito bem anulada se alguem entrou com recurso.
    Se for observar o 2° 'que', que é um Pronome Relativo, realmente ambas as palavras pertenceriam a mesma classe gramatical.
    Agora o 1° 'que' é conjunção integrante, a questão ficaria errada. 

    Logo, totalmente passível de anulação, já que a alternativa não cita qual das palavras era para ser analisada.


  • "Está claro que( conjunção ) o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que( pronome relativo ) é, metafisicamente falando, uma laranja”

  • B) No trecho, "A conversa, em seus meandros, veio a cair na natureza da alma, ponto que dividiu radicalmente os quatro amigos...”, a forma verbal VEIO A CAIR poderia ser substituído, sem alteração do sentido original, por caíra. 



    Perceba que o verbo CAÍRA da ideia de que o fato é uma possibilidade de acontecer. 

    e que a locução verbal VEIO A CAIR da ideia de que o fato ocorreu . prova disso é o seguimento da frase ponto que  DIVIDIU radicalmente os quatro amigos.


    se eu usasse o verbo CAÍRA   teria que modificar o verbo "DIVIDIU" por "DIVIDIRÁ"

  • Eles só podem estar de brincadeira. E qual dos "QUEs" eles estão se referindo: ao primeiro, conjunção; ou ao segundo, pronome relativo ? ¬¬

  • a) Complemento Nominal
    b) caíra => pretérito mais-que-perfeito do indicativo
        veio a cair => pretérito perfeito do indicativo

    c) "Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se(conjunção subordinativa condicional) me replicarem, acabo o charuto e vou dormir.”,

    d) Pronome Oblíquo Átono

    e) dessa= > pronome demonstrativo
         que=> pronome relativo

    Abraços!

  • Essa questão não foi anulada.

  • Na opção D, O ou OS antes do QUE quando puder ser subdtituido por AQUELE,AQUILIO e variações, funcionam como pronome demonstrativo.

  • A questão realmente tem dois termos "que". Deveria ser anulada.

     

    "Está claro que (conjunção) o ofício dessa (pronome demonstrativo) segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que (pronome relativo) é, metafisicamente falando, uma laranja"

  • ''dessa'' PRONOME demonstrativo  e o outro termo(O enunciado não enunciou qual dos ''ques'') , o ''que'' ,é PRONOME relativo. 

    portanto em ambos os casos são pronomes, embora de classes distintas.

     

     

    ISSO É COVARDIA - NÃO TEM RESPOSTA porque aparece mais de um QUE.   FUNCAB é das piores bancas, de longe! O próprio examinador nã teria condições de resolver essa questão. Não precisa dizer mais nada.

  • A) há erro porque "da alma humana" é adjunto adnominal de "teoria", não é uma locução adverbial.

    B) A substituição correta para "veio a cair", na letra B, seria "caiu".

    C) O "se" em "Espantem-se" é partícula apassivadora, mas em "Se me replicarem…" é conjunção que inicia uma oração condicional.

    D) A palavra "os" está funcionando como pronome demonstrativo.

    ✓ E) tanto "dessa" quanto "que" estão funcionando como pronomes relativos. Esse é o nosso gabarito.
     

    Fonte: Estratégia Concursos, Professora Rafaela Freitas

  • E.

    Dessa = Pronome demonstrativo;

    Que = Pronome relativo.

    Pertencem a mesma classe gramatical, porém possuem classificações diferentes.