- ID
- 1876708
- Banca
- CONPASS
- Órgão
- Prefeitura de Betânia - PE
- Ano
- 2014
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Conto de mistério
Com a gola do paletó levantada e a aba do chapéu
abaixada, caminhando pelos cantos escuros, era impossível a
qualquer pessoa que cruzasse com ele ver seu rosto. No local
combinado, parou e fez o sinal que tinham já estipulado à
guisa de senha. Parou debaixo do poste, acendeu um cigarro e
soltou a fumaça em três baforadas compassadas.
Imediatamente, um sujeito mal-encarado, que se encontrava
no café em frente, ajeitou a gravata e cuspiu de banda.
Era aquele. Atravessou cautelosamente a rua, entrou
no café e pediu um guaraná. O outro sorriu e se aproximou:
- Siga-me! - Foi a ordem dada com voz cava. Deu
apenas um gole no guaraná e saiu. O outro entrou num beco
úmido e mal-iluminado, e ele - a uma distância de uns dez a
doze passos - entrou também.
Ali parecia não haver ninguém. O silêncio era
sepulcral. Mas o homem que ia na frente olhou em volta,
certificou-se de que não havia ninguém de tocaia e bateu
numa janela. Logo uma dobradiça gemeu e a porta abriu-se
discretamente.
Entraram os dois e deram numa sala pequena e
enfumaçada onde, no centro, via-se uma mesa cheia de
pequenos pacotes. Por trás dela um sujeito de barba crescida,
roupas humildes e ar de agricultor parecia ter medo do que ia
fazer. Não hesitou - porém - quando o homem que entrara na
frente apontou para o que entrara em seguida e disse: "É este".
O que estava por trás da mesa pegou um dos pacotes
e entregou ao que falara. Este passou o pacote para o outro e
perguntou se trouxera o dinheiro. Um aceno de cabeça foi a
resposta. Enfiou a mão no bolso, tirou um bolo de notas e
entregou ao parceiro. Depois virou-se para sair. O que entrara
com ele disse que ficaria ali.
Saiu então sozinho, caminhando rente às paredes do
beco. Quando alcançou uma rua mais clara, assoviou para um
táxi que passava e mandou tocar a toda pressa para
determinado endereço. O motorista obedeceu e, meia hora
depois, entrava em casa a berrar para a mulher:
- Julieta! Ó Julieta... consegui.
A mulher veio lá de dentro enxugando as mãos em
um avental, a sorrir de felicidade. O marido colocou o pacote
sobre a mesa, num ar triunfal. Ela abriu o pacote e verificou
que o marido conseguira mesmo. Ali estava: um quilo de
feijão.
Stanislaw Ponte Preta, Primo Altamirando e elas. 5. ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. pp. 197-199.