SóProvas


ID
1883896
Banca
IDECAN
Órgão
SEARH - RN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                         Cultura


      Ele disse: “O teu sorriso é como o primeiro suave susto de Julieta quando, das sombras perfumadas do jardim sob a janela insone, Romeu deu voz ao sublime Bardo e a própria noite aguçou seus ouvidos”.

       E ela disse: “Corta essa.”

       E ele disse: “A tua modéstia é como o rubor que assoma à face de rústicas campônias acossadas num quadro de Bruegel, pai, enaltecendo seu rubicundo encanto e derrotando o próprio simular de recato que a natureza, ao     deflagrá‐lo, quis.”

       E ela disse: “Cumé que é?”

       E ele:“Eu te amo como jamais um homem amou, como o Amor mesmo, em seu autoamor, jamais se considerou capaz de amar.”

       E ela: “Tô sabendo…”

       “Tu és a chuva e eu sou a terra; tu és ar e eu sou fogo; tu és estrume, eu sou raiz.”

       “Pô!”

       “Desculpe. Esquece este último símile. Minha amada, minha vida. A inspiração é tanta que transborda e me foge, eu estou bêbado de paixão, o estilo tropeça no meio‐fio, as frases caem do bolso…”

       “Sei…

       “Os teus olhos são dois poços de águas claras onde brinca a luz da manhã, minha amada. A tua fronte é como o muro de alabastro do templo de Zamaz‐al‐Kaad, onde os sábios iam roçar o nariz e pensar na Eternidade.

        A tua boca é uma tâmara partida… Não, a tua boca é como um… um… Pera só um pouquinho…”

        “Tô só te cuidando.”

        “A tua boca, a tua boca, a tua boca… (Uma imagem, meu Deus!)”

        “Que qui tem a minha boca?”

        “A tua boca, a tua boca… Bom, vamos pular a boca. O teu pescoço é como o pescoço de Greta Garbo na famosa cena da nuca em Madame Walewska, com Charles Boyer,dirigido por Clawrence Brown, iluminado por…

        “Escuta aqui…”

        “Eu tremo! Eu desfaleço! Ela quer que eu a escute! Como se todo o meu ser não fosse uma membrana que espera a sua voz para reverberar de amor, como se o céu não fosse a campana e o Sol o badalo desta sinfonia especial: uma palavra dela…”

        “Tá ficando tarde”.

        “Sim, envelhecemos. O Tempo, soturno cocheiro deste carro fúnebre que é a Vida. Como disse Eliot, aliás, Yeats – ou foi Lampedusa? –, o Tempo, esse surdo‐mudo que nos leva às costas…”

        “Vamos logo que hoje eu não posso ficar toda a noite.”

        “Vamos! Para o Congresso Carnal. O monstro de duas costas do Bardo, acima citado. Que nossos espíritos entrelaçados alcem voo e fujam, e os sentidos libertos ergam o timão e insuflem as velas para a tormentosa viagem ao vórtice da existência humana, onde, que, a, e, o, um, como, quando, por que, sei lá…”

        “Vem logo.”

        “Palavras, palavras…”

        “Depressa!”

        “Já vou. Ah, se com estas roupas eu pudesse despir tudo, civilização, educação, passado, história, nome, CPF, derme, epiderme… Uma união visceral, pâncreas e pâncreas, os dois corações se beijando através das grades das caixas torácicas como Glenn Ford e Diana Lynn em…”

         “Vem. Assim. Isso. Acho que hoje vamos conseguir. Agora fica quieto e…”

         “Já sei!”

         “O quê? Volta aqui, pô”…”

         “Como um punhado de amoras na neve das estepes. A tua boca é como um punhado de amoras na neve das estepes!

                           

   (VERÍSSIMO, Luiz Fernando. Cultura. In: As mentiras que os homens contam. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.)

A partir da linguagem apresentada no diálogo, é correto afirmar que

Alternativas
Comentários
  • ele a descreve-C

  • É óbvio que há uma superioridade de uma linguagem em relação à outra.. ah desculpe.. isso seria considerado preconceito contra a linguagem coloquial.. seria muita opressão

  • No texto, pelas diferenças de linguagem que cada personagem utiliza, pode-se perceber quem é cada personagem. Um é bem poético, mas a outra não parece entender direito e fala de forma bem coloquial.

  • Também achei que existiu superioridade.

  •  a) a intenção comunicativa dos personagens é anulada em virtude da inadequação linguística. INCORRETA! De alguma forma eles conseguem, ainda que com muitos "ruídos" pela diferença de comunicação, se comunicar.

     

     b) há uma superioridade de uma variedade apresentada em relação à outra considerando‐se o contexto apresentado.INCORRETA! A palavra correta não é superioridade, e sim, diferença. Há diferenças no modo de se comunicar: ele faz uso de uma linguagem mais culta, enquanto ela de forma coloquial.

     

     c) ela é a grande responsável pela caracterização de cada um dos personagens, permitindo reconhecê‐los de forma definida.CORRETA! A linguagem é a grande responsável pela caracterização de cada um dos personagens. Nota-se que no começo o autor identifica no diálogo quem fala, usando a príncipio a expressão "ele disse" e "ela disse". Depois passa a usar: "e ele" e "e ela";  até que daí por diante não precisa mais identificar quem fala, pois fica óbvio para o leitor quem é que a cada momento fala no diálogo.

     

     d) revela particularidades de vocabulário demonstrando neologismos e regionalismos, características das linguagens utilizadas pela personagem feminina e pela personagem masculina, respectivamente.  INCORRETA! No diálogo da personagem feminina nota-se um vocabulário mais regional, mas não em relação ao personagem masculino.

  • Não existe hierarquia entre a linguagem formal(neste caso bastante enfadonha) e a coloquial(neste caso muito mais prática e objetiva). Algumas pessoas viram essa superioridade de maneira bem subjetiva.

  • Acho que estas alternativas são demasiado subjetivas! O autor pode escolher a que ele quiser aí com exceção da letra D.

  • A partir da linguagem apresentada no diálogo, é correto afirmar que (....)

    c) ela é a grande responsável pela caracterização de cada um dos personagens, permitindo reconhecê‐los de forma definida.

    E eu achando que esse "ela" seria a personagem do texto, sono bateu kkkkkk