SóProvas


ID
1883926
Banca
IDECAN
Órgão
SEARH - RN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                                    Uma esperança


      Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clássica, que tantas vezes verifica‐se ser ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem concreta e verde: o inseto.

      Houve um grito abafado de um de meus filhos:

      – Uma esperança! e na parede, bem em cima de sua cadeira! Emoção dele também que unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço: mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não poderia ser.

      – Ela quase não tem corpo, queixei‐me.

      – Ela só tem alma, explicou meu filho e, como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças.

      Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.

      – Ela é burrinha, comentou o menino.

      – Sei disso, respondi um pouco trágica.

      – Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.

      – Sei, é assim mesmo.

      – Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.

      – Sei, continuei mais infeliz ainda.

      Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando. Vigiando‐a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não se apagasse.

      – Ela se esqueceu de que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.

      Andava mesmo devagar – estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo.

      Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha. Não uma aranha, mas me parecia “a” aranha. Andando pela sua teia invisível, parecia transladar‐se maciamente no ar. Ela queria a esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê‐la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse fracamente, confusa, sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:

      – É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...

      – Mas ela vai esmigalhar a esperança! respondeu o menino com ferocidade.

      – Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros – falei sentindo a frase deslocada e ouvindo o certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada: eu lhe diria apenas: você faz o favor de facilitar o caminho da esperança.

      O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em casa, alma e corpo.

      Mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde, e tem uma forma tão delicada que isso explica por que eu, que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá‐la.

      Uma vez, aliás, agora é que me lembro, uma esperança bem menor que esta, pousara no meu braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: “e essa agora? que devo fazer?” Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.

               

  (LISPECTOR, Clarice. Uma esperança. In: Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.)

Tendo em vista o processo de comunicação e os elementos que o compõem, pode‐se afirmar que o último parágrafo do texto pode ser visto com um exemplo em que

Alternativas
Comentários
  • Funça da linguagem emotiva ou expressiva.

  • Funções da Linguagem

    1 - Referencial ou denotativa - Usada para expressar a realidade, o fato externo, a informação. Ela põe em evidência o referente, ou seja, o assunto ao qual mensagem se refere.  Ex.: o noticiário  do jornal, da TV.
     
     2 - Conativa ou apelativa - Usada para dar conselhos, avisos, ordens ou pedidos:
          Cuidado!
          É proibido fumar!
          Vem cá, menino!
          Ajude-me!
     
     3 - Emotiva ou expressiva - Serve para expressar atitudes e emoções. Reflete o estado de ânimo do emissor, seus sentimentos e emoções.
    Como é o caso do texto! 


     4 - Fática - Esta função serve para manter o diálogo, mesmo sem transmitir mensagens precisas. Não comunica nada, mas mantém aberto o canal de comunicação entre o emissor e o receptor:
          E aí, tudo bem?
          Alô, está me ouvindo?
     
     5 - Poética - Usamos esta linguagem para produzir efeitos artísticos. A mensagem, elaborada, trabalhada artisticamente, visa a encantar quem a ouve ou lê. Ex.: uma peça teatral, um poema...
     
    6 - Metalinguística - Utilizamos esta linguagem para explicar o significado de outra linguagem. Ela possibilita a um código se referir a ele mesmo, explicando-se.
    É a palavra comentando a palavra.  Exemplos:

    a) Frase é qualquer enunciado linguístico com sentido completo.
    (Note que, para darmos a definição de frase, empregamos uma frase. O código utilizado foi a língua portuguesa).
    b) O português é uma das línguas mais difíceis do mundo.
    (Para falar das dificuldades da língua, usamos o próprio idioma).

    fonte: recantodasletras.com.br

  • Deu como Gab a C.

  • Para quem conhece Clarice Lispector fica muito mais fácil rs

  • Funções da Linguagem: 

    - As funções da linguagem são formas de utilização da linguagem segundo a intenção do falante. Elas são classificadas em 6 tipos: função referencial, função emotiva, função poética, função fática, função conativa e função metalinguística. Cada uma desempenha um papel relacionado com os elementos presentes na comunicação: emissor, receptor, mensagem, código, canal e contexto. Assim, elas determinam o objetivo dos atos comunicativos.

    1 Emissor = função emotiva (ou expressiva)

    2 Contexto = função referencial 

    3 Mensagem = função poética

    4 Código = função metalinguística

    5 Interlocutor = função conativa (ou apelativa)

    6 Canal = função fática 

    - Embora haja uma função que predomine, vários tipos de linguagem podem estar presentes num mesmo texto.

    • Função Emotiva ou Expressiva 

    - Também chamada de função expressiva, na função emotiva o emissor tem como objetivo principal transmitir suas emoções, sentimentos e subjetividades por meio da própria opinião. Esse tipo de texto, escrito em primeira pessoa, está voltado para o EMISSOR, uma vez que possui um caráter pessoal. 

    - Como exemplos podemos destacar: os textos poéticos, as cartas, os diários. Todos eles são marcados pelo uso de sinais de pontuação, por exemplo, reticências, ponto de exclamação, etc.

    - Exemplo de e-mail da mãe para os filhos:

    Meus amores, tenho tantas saudades de vocês … Mas não se preocupem, em breve a mamãe chega e vamos aproveitar o tempo perdido bem juntinhos. Sim, consegui adiantar a viagem em uma semana!!! Isso quer dizer que tenho muito trabalho hoje e amanhã.... Quando chegar, quero encontrar essa casa em ordem, combinado?!?

  • que texto boinito