SóProvas


ID
1884232
Banca
FUNCAB
Órgão
EMSERH
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Texto para responder a questão.

O embondeiro que sonhava pássaros

     Esse homem sempre vai ficar de sombra: nenhuma memória será bastante para lhe salvar do escuro. Em verdade, seu astro não era o Sol. Nem seu país não era a vida. Talvez, por razão disso, ele habitasse com cautela de um estranho. O vendedor de pássaros não tinha sequer o abrigo de um nome. Chamavam-lhe o passarinheiro.

   Todas manhãs ele passava nos bairros dos brancos carregando suas enormes gaiolas. Ele mesmo fabricava aquelas jaulas, de tão leve material que nem pareciam servir de prisão. Parecia eram gaiolas aladas, voláteis. Dentro delas, os pássaros esvoavam suas cores repentinas. À volta do vendedeiro, era uma nuvem de pios, tantos que faziam mexer as janelas:

  – Mãe, olha o homem dos passarinheiros! E os meninos inundavam as ruas. As alegrias se intercambiavam: a gritaria das aves e o chilreio das crianças. O homem puxava de uma muska e harmonicava sonâmbulas melodias. O mundo inteiro se fabulava.

    Por trás das cortinas, os colonos reprovavam aqueles abusos. Ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos - aquele preto quem era? Alguém conhecia recomendações dele? Quem autorizara aqueles pés descalços a sujarem o bairro? Não, não e não. O negro que voltasse ao seu devido lugar. Contudo, os pássaros tão encantantes que são - insistiam os meninos. Os pais se agravavam: estava dito. 

   Mas aquele ordem pouco seria  desempenhada.

   [...]

   O homem então se decidia a sair, juntar as suas raivas com os demais colonos. No clube, eles todos se aclamavam: era preciso acabar com as visitas do passarinheiro. Que a medida não podia ser de morte matada, nem coisa que ofendesse a vista das senhoras e seus filhos. O remédio, enfim, se haveria de pensar. 

   No dia seguinte, o vendedor repetiu a sua alegre invasão. Afinal, os colonos ainda que hesitaram: aquele negro trazia aves de belezas jamais vistas. Ninguém podia resistir às suas cores, seus chilreios. Nem aquilo parecia coisa deste verídico mundo. O vendedor se anonimava, em humilde desaparecimento de si: 

  – Esses são pássaros muito excelentes, desses com as asas todas de fora. 

   Os portugueses se interrogavam: onde desencantava ele tão maravilhosas criaturas? onde, se eles tinham já desbravado os mais extensos matos?

    O vendedor se segredava, respondendo um riso. Os senhores receavam as suas próprias suspeições - teria aquele negro direito a ingressar num mundo onde eles careciam de acesso? Mas logo se aprontavam a diminuir-lhe os méritos: o tipo dormia nas árvores, em plena passarada. Eles se igualam aos bichos silvestres, concluíam.

     Fosse por desdenho dos grandes ou por glória dos pequenos, a verdade é que, aos pouco-poucos, o passarinheiro foi virando assunto no bairro do cimento. Sua presença foi enchendo durações, insuspeitos vazios. Conforme dele se comprava, as casas mais se repletavam de doces cantos. Aquela música se estranhava nos moradores, mostrando que aquele bairro não pertencia àquela terra. Afinal, os pássaros desautenticavam os residentes, estrangeirando-lhes? [...] O comerciante devia saber que seus passos descalços não cabiam naquelas ruas. Os brancos se inquietavam com aquela desobediência, acusando o tempo. [...] 

     As crianças emigravam de sua condição, desdobrando-se em outras felizes existências. E todos se familiavam, parentes aparentes. [...] 

    Os pais lhes queriam fechar o sonho, sua pequena e infinita alma. Surgiu o mando: a rua vos está proibida, vocês não saem mais. Correram-se as cortinas, as casas fecharam suas pálpebras.

COUTO, Mia. / Cada Homem é uma raça:contos/Mia Couto – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.63 – 71. (Fragmento). 

Sobre o texto leia as afirmativas a seguir.

I. Mia Couto apresenta uma crítica ao estereótipo do negro, segregado pelos valores culturais que valorizam a cultura do colonizador.

II. O passarinheiro não é bem-vindo no espaço porque explora os pássaros, vendendo-os às crianças que se enganam com sua bondade.

III. A primeira vista, tem-se um passarinheiro, um homem que vende pássaros, um exilado no próprio território.

IV. O primeiro drama exposto no conto é o paradoxo da falta de identidade do vendedor de pássaros.

Está correto apenas o que se afirma em:

Alternativas
Comentários
  • Não consegui identificar porque a assertiva "II" está correta, pois o passarinheiro não era bem-vindo pelo simples fato de ser negro e dos colonos acharem que já tinham explorado toda a mata. E também onde as crianças se enganam com a sua bondade.

    help please!

  • Também não entendi porque a assertiva "II" está correta...

    "Ensinavam suspeitas aos seus pequenos filhos - aquele preto quem era? Alguém conhecia recomendações dele? Quem autorizara aqueles pés descalços a sujarem o bairro? Não, não e não. O negro que voltasse ao seu devido lugar."

    Essa frase não mostra que só por ele ser negro os colonos já queriam distância dele?

  • A interpretação de texto dessa bamca é bem louca, no dia da prova ´´vai na sorte´´

    Nunca vai ser uma CESPE.

    A segunda assertiva esta errada, pois o texto é claro que é devido ao fato de o passarinheiro ser negro.

     

     

     

  • Não vejo como a assertiva II está correta, a problemática da questão é pelo fato o homem ser negro, e não vendedor de passáros.

  • O que me surpreende nessa banca não são tanto as impropriedades de algumas questões (afinal ocorre com todas), mas sim a arbitrariedade em manter gabaritos tão absurdos como esse...

  • Em que parte do texto fala que o Negro Passarinheiro era mal ? única parte em que diz de sua personalidade é quando lhe era indagado onde ele conseguia os Pássaros tão lindos que nem os Colonos desbravadores encontravam, ele respondeu com um sorriso apenas. Ademais, o texto passa a impressão de que ele conquistou tanto as crianças, que elas nem colocavam em pauta sua condição de Negro em um Bairro de Brancos, tanto que os adultos tentaram fazê-las odiar o Negro, mas sem sucesso, como cita em algumas passagens.  Vá à merda essa banca.

  • Gabarito B.

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    A polêmica aqui envolve o item II:

    II. O passarinheiro não é bem-vindo no espaço porque explora os pássaros, vendendo-os às crianças que se enganam com sua bondade.

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    Primeiro ponto: acho importante mencionar que o passarinheiro não é bem-vindo somente porque explora os pássaros, vendendo-os às crianças que se enganam com sua bondade, mas não é bem-vindo também por explorar passáros e vendê-los às crianças que se enganam com sua bondade.

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    Segundo ponto: a ideia de que as crianças se enganam com sua bondade está aparentemente implícita. Se o "passarinheiro" leva para aquele local criaturas de origem duvidosa, com belezas nunca vistas naquela área e que pareciam irreais, aparentemente de fato ele "explorava" os passáros. O que se depreende disso é que está aparentemente implícito no texto que quem explora pássaro não é bondoso.

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    Vejam o seguinte trecho:

    => Os portugueses se interrogavam: onde desencantava ele tão maravilhosas criaturas? onde, se eles tinham já desbravado os mais extensos matos?

    => Afinal, os colonos ainda que hesitaram: aquele negro trazia aves de belezas jamais vistas. Ninguém podia resistir às suas cores, seus chilreios. Nem aquilo parecia coisa deste verídico mundo.

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    Todavia, a informação de que ele de fato não é bondoso não está expressa no texto e não passa de uma suspeita dos colonizadores, movidos inclusive por preconceitos de raça. Logo, entendo que a assertiva deveria ser considerada incorreta. A questão é muito subjetiva. É incorreto afirmar com absoluta certeza que "o passarinheiro não é bem-vindo no espaço porque explora os pássaros, vendendo-os às crianças que se enganam com sua bondade." Apesar disso, a banca considerou a assertiva absolutamente correta.

     

     

  • Sobre a assertiva II.

    O passarinheiro não era bem vindo à rua porque explorava pássaros, mas sim pelo motivo de ser negro. Podemos inferir isso quando os colonos interrogavam a seus filhos "Aquele preto, quem era? Quem autorizou aquele pé descalço a sujar o bairro? Não não e não. O negro que voltasse a seu devido lugar". Portanto, o fato de explorar pássaros não configurava na oposição dos brancos ao passarinheiro, mas a sua raça, a sua forma de ser. Isso pode ser notado também no título do texto "Cada homem é uma raça". Além disso, percebe-se até mesmo certa inveja por parte dos colonos por eles não conseguirem encontrar na selva aqueles pássaros lindos que o negro trazia.

    Letra: B

  • Gabarito segundo a banca letra B. Porém assim como os colegas discordo que a acertiva II esteja certa. Somente 30% das pessoas acertaram essa questão. A Funcab apela as vezes, lamentável... 

     

  • Professor Alexandre, eu adoro vc, mas confesso que ao ouvi-lo dizer: "segundo Mia Couto, A AUTORA...", fiquei um pouco desapontada.. :-/

  • Encontrei a II errada eliminei as demais e powwww errei kkkk

  • Item 2 fora do contexto do texto.

  • Item 2 correta, Gabarito B. Concordo com vocês no sentido de não ser bem vindo, na visão dos brancos "adultos", o passarinheiro pelo fato de sua raça...Porém a assertiva II, analisa o fato de "explorar os pássaros, vendendo as crianças, que se enganam com sua bondade", infere a assertiva, pois representa a ideia de exploração da parte do passarinheiro com os pássaros, pelo fato de representar uma beleza que chama atenção e o vendedor aproveitar dessa caracteristica dos pássaros para vender "lucrar", ou seja, engana as crianças transmitindo a sensação de bondade, não passa de mera exploração, com finalidade de lucratividade. Atenção a questão, ela foge do q está no texto (compreender), e sim apresenta a ideia dessa assertiva II (interpretar), que é condizente com o texto. "Saia do quadrado as vezes."