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ID
1893334
Banca
COMPERVE
Órgão
UFRN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                               Rio Doce: não foi acidente. Foi violência

                                                                                              Rosana Pinheiro-Machado

      Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado. Uma rua ia ser alargada para a Copa do Mundo, mas, no meio da obra, descobriu-se que não se podia mais continuar perfurando, porque encontravam (veja bem) uma rocha no meio do caminho. Tudo ficou mais caro.
      A Prefeitura dizia que é culpa da empresa, que deveria ter previsto o problema, mas a empresa queria que a prefeitura cobrisse o valor extra da obra. Aquele velho empurra-empurra. O buraco e seus desvios já viraram parte da paisagem da cidade. A obra está ali, já fazendo aniversário de três anos. E a sensação de todos que passam por tantas obras inacabadas ou malfeitas no Brasil é que elas nunca serão plenamente concluídas. E quem tem a sua vida transtornada somos todos nós.
      A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.
      Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.
      Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.
      Não se trata de acidente. Trata-se de um crime praticado pelo Estado e pelas empresas que deveriam ser controladas pelo Estado, mas que, na verdade, controlam o Estado.
    Trata-se, portanto, de violência estrutural – conceito adotado por antropólogos como Veena Das, Arthur Kleinman, Paulo Farmer e Akhil Gupta para dar visibilidade a uma forma de sofrimento causado por estruturas sociais: pelo descaso, pela corrupção e pela ausência do Estado na fiscalização (o mesmo Estado que sabe fazer-se onipresente e ostensivo quando se trata de correr atrás de camelô porque os lojistas da cidade estão pressionando).
      A dor causada a milhares de pessoas e a morte de milhares ou milhões de animais ao longo do Rio Doce não foram acidentais. Não foi um desastre natural inevitável. Violência não é apenas o ato deliberado de força mas também os atos invisíveis da incompetência ou má fé judicial, política e administrativa. É preciso nomear claramente esta tragédia. Uma vez que admitimos que o que ocorreu na obra da Samarco (uma parceria da BHP e da Vale) foi um ato de violência – produzida pelo descaso e pela ganância que “deixam morrer” – é preciso identificar os culpados, que, neste caso, são agentes específicos do mercado e das agências controladoras do Estado.
      Não foi acidente. Não foi seleção natural. E a população brasileira não faz parte desse jogo em que se acredita que “os políticos corruptos são reflexo de um povo corrupto”. O taxista de Porto Alegre continua a se indignar, todos os dias. Eu me indigno. Você se indigna. Nós nos sentimos desrespeitados e impotentes.
      As mídias sociais encorajam e nos ajudam a encontrar aqueles outros milhões de perdidos que também não querem esquecer. Não há milagre para romper com esse ciclo de violência estrutural que se perpetua na sociedade brasileira. Podemos contar somente com a mobilização e o engajamento no projeto democrático – que ainda estamos construindo a duras penas, mas de que não desistiremos tão fácil. Por ora, cabe a nós entoar o grito “não foi acidente”, pressionar por medidas reparadoras e acompanhar a sua implementação.

Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-foi-acidente-foi-violencia-635.html>. Acesso em: 7 jan. 2016. [Adaptado]

O propósito comunicativo dominante no texto é

Alternativas
Comentários
  • É facil perceber que a todo instante desde o primeiro parágrafo até o último o autor passa a ideia de que o problema das tragédias são consequência de uma alinça gananciosa do poder público e de empresas privadas que só visam o ganho de capital, assim a consequência lógica desta aliança é violência indireta causa pelos desatres que afetam o povo brasileiro pela falta de investimento em infraestrutura de qualidade e metódos seguros das construções públicas.

  • A letra a) parece bastante com a b)

    Se não fosse um pequeno detalhe que faz toda a diferença: O início do texto.

    sustentar a ideia de que... é bem diferente de "denunciar as consequências

    Sem sombra de dúvidas, "letra a"

  • A b está errada pois em nenhum momento o autor direciona crítica a empresas estrangeiras...
  • Acho que a B está errada pois não sse trata de uma "Denuncia". E sim de uma opinião, um texto que visa argumentar...

    Denuncia se trata de um genero textual com fundamentos narrativos, explicativos e afins.

    Um artigo de opinião se trata de uma opinião com bases explicativas e argumentativas etc. 

    (Acho que é isso)

  • LETRA A :3 PARAFRAFO:  A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer

  • 1. Tradução do enunciado: O propósito comunicativo dominante no texto é = comando de interpretação;

    2. Identificar a tipologia textual: Tipologia textual predominante: dissertativo - argumentativo (defesa de uma tese)

    3. Identificar a tese (ideia principal) defendida no texto: Sustentar a ideia de que trágedias ambientais e humanas são uma espécie de violência resultante da aliança entre Estado e capital. 

    RESPOSTA: letra A

  • a)

    sustentar a ideia de que trágedias ambientais e humanas são uma espécie de violência resultante da aliança entre Estado e capital. 

  • Propósito comunicativo está diretamente ligado ao gênero textual. Se você quer saber qual o propósito comunicativo de um texto, encontre o gênero textual dele (dentro da tipologia).

  • Elencar = trazer a pauta algo para que possa ser discutido

    Todo mundo falando da B mas eu fiquei em duvida mesmo entre a C e a A

    Na minha interpretação todo parágrafo subentende-se o que está escrito na C