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ID
1893340
Banca
COMPERVE
Órgão
UFRN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                               Rio Doce: não foi acidente. Foi violência

                                                                                              Rosana Pinheiro-Machado

      Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado. Uma rua ia ser alargada para a Copa do Mundo, mas, no meio da obra, descobriu-se que não se podia mais continuar perfurando, porque encontravam (veja bem) uma rocha no meio do caminho. Tudo ficou mais caro.
      A Prefeitura dizia que é culpa da empresa, que deveria ter previsto o problema, mas a empresa queria que a prefeitura cobrisse o valor extra da obra. Aquele velho empurra-empurra. O buraco e seus desvios já viraram parte da paisagem da cidade. A obra está ali, já fazendo aniversário de três anos. E a sensação de todos que passam por tantas obras inacabadas ou malfeitas no Brasil é que elas nunca serão plenamente concluídas. E quem tem a sua vida transtornada somos todos nós.
      A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.
      Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.
      Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.
      Não se trata de acidente. Trata-se de um crime praticado pelo Estado e pelas empresas que deveriam ser controladas pelo Estado, mas que, na verdade, controlam o Estado.
    Trata-se, portanto, de violência estrutural – conceito adotado por antropólogos como Veena Das, Arthur Kleinman, Paulo Farmer e Akhil Gupta para dar visibilidade a uma forma de sofrimento causado por estruturas sociais: pelo descaso, pela corrupção e pela ausência do Estado na fiscalização (o mesmo Estado que sabe fazer-se onipresente e ostensivo quando se trata de correr atrás de camelô porque os lojistas da cidade estão pressionando).
      A dor causada a milhares de pessoas e a morte de milhares ou milhões de animais ao longo do Rio Doce não foram acidentais. Não foi um desastre natural inevitável. Violência não é apenas o ato deliberado de força mas também os atos invisíveis da incompetência ou má fé judicial, política e administrativa. É preciso nomear claramente esta tragédia. Uma vez que admitimos que o que ocorreu na obra da Samarco (uma parceria da BHP e da Vale) foi um ato de violência – produzida pelo descaso e pela ganância que “deixam morrer” – é preciso identificar os culpados, que, neste caso, são agentes específicos do mercado e das agências controladoras do Estado.
      Não foi acidente. Não foi seleção natural. E a população brasileira não faz parte desse jogo em que se acredita que “os políticos corruptos são reflexo de um povo corrupto”. O taxista de Porto Alegre continua a se indignar, todos os dias. Eu me indigno. Você se indigna. Nós nos sentimos desrespeitados e impotentes.
      As mídias sociais encorajam e nos ajudam a encontrar aqueles outros milhões de perdidos que também não querem esquecer. Não há milagre para romper com esse ciclo de violência estrutural que se perpetua na sociedade brasileira. Podemos contar somente com a mobilização e o engajamento no projeto democrático – que ainda estamos construindo a duras penas, mas de que não desistiremos tão fácil. Por ora, cabe a nós entoar o grito “não foi acidente”, pressionar por medidas reparadoras e acompanhar a sua implementação.

Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-foi-acidente-foi-violencia-635.html>. Acesso em: 7 jan. 2016. [Adaptado]

Tomando por base uma leitura global, considere as seguintes afirmativas acerca de parágrafos do texto: 


I No primeiro parágrafo, insinua-se que, no Brasil, obras públicas são mal planejadas.

II No terceiro parágrafo, apresenta-se o ponto de vista defendido ao longo do texto.

III No quinto parágrafo, desenvolve-se ideia introduzida no quarto parágrafo.

IV No décimo parágrafo, conclui-se a discussão sem que sejam apresentadas informações novas.


Das afirmativas, estão corretas 

Alternativas
Comentários
  • Gab Letra a) I e II

  • Apesar da COMPERVE ser uma banca relativamente fácil, sempre encontro dificuldade desse tipo de questão, sempre duas questões são muito parecidas. O candidato deve ler e reler muitas vezes antes de marcar.

    A letra b) também poderia ser uma resposta. III No quinto parágrafo, desenvolve-se ideia introduzida no quarto parágrafo. 

    Vejam, 

        4° Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.

        5°  Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo.....

  • As questões de interpretação de texto da COMPERVE são sempre as mais difíceis da prova.

  • Tenho dificuldade nessas questões de português da COMPERVE. Uma banca fácil, mas as questões de interpretação me pega sempre.

  • Questão realmente confusa, mas interpretei a III, como errada. Considerei a parte negritada abaixo como a conclusão do respectivo parágrafo, e não o parágrafo anterior....

     

    § 4ºValores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.

     § 5º Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.

  • Danilo Rodrigues, eu também achei confuso nesse ponto. Após excluir a possibilidade da IV, só me desfiz da III porque a I e II estão mais "claras" no meu ponto de vista.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                               Essa parte que fez a diferença para você, visto agora, me ajudou a ter mais certeza da minha escolha. Vlw!

    II - "A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer" - Esse é o ponto de vista da autora.

    I - " tantas obras inacabadas ou malfeitas no Brasil..." - Não paira nenhuma dúvida sobre a falta de planejamento das obras no Brasil.

  • Devemos observar o anúncio da questão   ->>>>  ''Tomando por base uma leitura global''...

    Na opção I, o parágrafo não insinua naada, apenas relata o que está ocorrendo.    Porém,devido ao enunciado,a opção torna-se correta em relação a todo o texto.

    Caí nesta bosta. Banca cabulosa!!!!!

     

  • Concordo com a colega Vanessa, inclusive marquei a B e errei. Para complicar nossa vida, essa banca tem demonstrado que ama textos longos. Já vi que vai ser trabalhosa nesse aspecto.  =/ 

  • Sempre me deparo com reclamações sobre as questões de interpretação de texto da COMPERVE. Realmente é super tenso. Não tem jeito, nos resta praticar muito para tentar assimilar a banca.

  • Vanessa, compreendo seu ponto de vista, porém discordo dele.

    Não poderia ser o item III " No quinto parágrafo, desenvolve-se ideia introduzida no quarto parágrafo" simplesmente porque a ideia foi introduzida no terceiro parágrafo, não no quarto. Observe:

     

    § 3º. A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.

       § 4º.   Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.

       § 5º.   Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.

  •   3º A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.

    II No terceiro parágrafo, apresenta-se o ponto de vista defendido ao longo do texto. (CORRETO)

     Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.

      5º Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.

    III No quinto parágrafo, desenvolve-se ideia introduzida no quarto parágrafo.(ERRADO)

    Explicação:

    Apesar do quinto parágrafo iniciar com a ideia trazida do quarto, ele não desenvolve a ideia do mesmo, porque ao longo da escrita, o autor retoma a ideia anteriormente citada, de que a relação entre o estado brasileiro e as empresas de capital provocam mortes e sofrimento.

    Gabarito: A