SóProvas


ID
1893352
Banca
COMPERVE
Órgão
UFRN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                               Rio Doce: não foi acidente. Foi violência

                                                                                              Rosana Pinheiro-Machado

      Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado. Uma rua ia ser alargada para a Copa do Mundo, mas, no meio da obra, descobriu-se que não se podia mais continuar perfurando, porque encontravam (veja bem) uma rocha no meio do caminho. Tudo ficou mais caro.
      A Prefeitura dizia que é culpa da empresa, que deveria ter previsto o problema, mas a empresa queria que a prefeitura cobrisse o valor extra da obra. Aquele velho empurra-empurra. O buraco e seus desvios já viraram parte da paisagem da cidade. A obra está ali, já fazendo aniversário de três anos. E a sensação de todos que passam por tantas obras inacabadas ou malfeitas no Brasil é que elas nunca serão plenamente concluídas. E quem tem a sua vida transtornada somos todos nós.
      A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.
      Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.
      Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.
      Não se trata de acidente. Trata-se de um crime praticado pelo Estado e pelas empresas que deveriam ser controladas pelo Estado, mas que, na verdade, controlam o Estado.
    Trata-se, portanto, de violência estrutural – conceito adotado por antropólogos como Veena Das, Arthur Kleinman, Paulo Farmer e Akhil Gupta para dar visibilidade a uma forma de sofrimento causado por estruturas sociais: pelo descaso, pela corrupção e pela ausência do Estado na fiscalização (o mesmo Estado que sabe fazer-se onipresente e ostensivo quando se trata de correr atrás de camelô porque os lojistas da cidade estão pressionando).
      A dor causada a milhares de pessoas e a morte de milhares ou milhões de animais ao longo do Rio Doce não foram acidentais. Não foi um desastre natural inevitável. Violência não é apenas o ato deliberado de força mas também os atos invisíveis da incompetência ou má fé judicial, política e administrativa. É preciso nomear claramente esta tragédia. Uma vez que admitimos que o que ocorreu na obra da Samarco (uma parceria da BHP e da Vale) foi um ato de violência – produzida pelo descaso e pela ganância que “deixam morrer” – é preciso identificar os culpados, que, neste caso, são agentes específicos do mercado e das agências controladoras do Estado.
      Não foi acidente. Não foi seleção natural. E a população brasileira não faz parte desse jogo em que se acredita que “os políticos corruptos são reflexo de um povo corrupto”. O taxista de Porto Alegre continua a se indignar, todos os dias. Eu me indigno. Você se indigna. Nós nos sentimos desrespeitados e impotentes.
      As mídias sociais encorajam e nos ajudam a encontrar aqueles outros milhões de perdidos que também não querem esquecer. Não há milagre para romper com esse ciclo de violência estrutural que se perpetua na sociedade brasileira. Podemos contar somente com a mobilização e o engajamento no projeto democrático – que ainda estamos construindo a duras penas, mas de que não desistiremos tão fácil. Por ora, cabe a nós entoar o grito “não foi acidente”, pressionar por medidas reparadoras e acompanhar a sua implementação.

Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-foi-acidente-foi-violencia-635.html>. Acesso em: 7 jan. 2016. [Adaptado]

A linguagem empregada no texto é

Alternativas
Comentários
  • Texto Conotativo - Quando é utilizada com um sentido diferente daquele que lhe é comum, sendo usado em poemas, poesias (Você é o meu sol).

    Texto Denotativo - Quando a palavra é utilizada com seu sentido comum, ou seja, o que aparece no dicionário (O dia está quente hoje).

  • Predominantemente conotativa.  "...que ainda estamos construindo a duras penas..."

  • Esse texto, a meu ver, é predominantemente conotativo, ou seja, usa-se bastante o sentido figurado, como bem relatou o colega abaixo.

    Discordo do gabarito, que foi a letra a)

  • O que laca é isso. Pq é o ponto de vista do autor. O cara vai ler a mente dele é? Predomina a linguagem conotativa.

  • Gente presta atenção, embora tenha algumas palavras de sentido figurado no texto, nao signfica que seja predominante conotoativa nao. Tem que se levar em conta o texto por completo, pode-se repar que nele o que mais predominar (mais influencia, maior quantidade), é o sentido denotativo.

    Letra Correta Letra A

    Predominantemente denotativa. 

  • Concordo que o texto é predominantemente conotativo. Por favor, pedimos mais cuidado para que as bancas coloquem questões mais definidas do que aquelas em que podem considerar-se corretas várias delas.

    Deus abençoa a todos e a tudo, que nos cuidemos bem sempre e cuidemos dos demais seres, sempre que sentirmos que devemos.

  • Embora haja várias expressões conotativas( sentido figurado), o texto - no sentido completo - é muito mais denotativo( sentido real)

  • Realmente, temos que interpretar o sentido da palavra. Me equivoquei.

    Quando se diz predominantemente, ou seja, na maior parte do texto predomina a linguagem denotativa. Aquelas poucas passagens conotativas não dominam o texto.

  • Fiquei na dúvida se é EXCLUSIVAMENTE ou PREDOMINANTEMENTE, mas que é denotativo isto está claro.

    Onde tem texto conotativo nesse texto?

  • Aline dantas. Um dos trechos que se usa a liguagem conotativa.

    "E a população brasileira não faz parte desse jogo em que se acredita que “os políticos corruptos são reflexo de um povo corrupto”. "

  • No texto "empurra-empurra" tem um sentido figurado. Ninguém anda empurrando de verdade, e sim colocando a culpa.

  • prestar atenção no enunciado "predominantemente" é diferente de totalmente um advérbio já muda a proposta da questão.

  • -
    quanto as assertivas C e D, é preferível fugir de termos "exclusivamente"

  • Bruno, se o texto fosse EXCLUSIVAMENTE DENOTATIVO não poderia haver NENHUM trecho conotativo. No texto há alguns, portanto não pode ser exclusivamente, mas predominantemente denotativo.