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ID
1893355
Banca
COMPERVE
Órgão
UFRN
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

                               Rio Doce: não foi acidente. Foi violência

                                                                                              Rosana Pinheiro-Machado

      Sempre que eu vou a Porto Alegre, é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer, porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado. Uma rua ia ser alargada para a Copa do Mundo, mas, no meio da obra, descobriu-se que não se podia mais continuar perfurando, porque encontravam (veja bem) uma rocha no meio do caminho. Tudo ficou mais caro.
      A Prefeitura dizia que é culpa da empresa, que deveria ter previsto o problema, mas a empresa queria que a prefeitura cobrisse o valor extra da obra. Aquele velho empurra-empurra. O buraco e seus desvios já viraram parte da paisagem da cidade. A obra está ali, já fazendo aniversário de três anos. E a sensação de todos que passam por tantas obras inacabadas ou malfeitas no Brasil é que elas nunca serão plenamente concluídas. E quem tem a sua vida transtornada somos todos nós.
      A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.
      Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.
      Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos, e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.
      Não se trata de acidente. Trata-se de um crime praticado pelo Estado e pelas empresas que deveriam ser controladas pelo Estado, mas que, na verdade, controlam o Estado.
    Trata-se, portanto, de violência estrutural – conceito adotado por antropólogos como Veena Das, Arthur Kleinman, Paulo Farmer e Akhil Gupta para dar visibilidade a uma forma de sofrimento causado por estruturas sociais: pelo descaso, pela corrupção e pela ausência do Estado na fiscalização (o mesmo Estado que sabe fazer-se onipresente e ostensivo quando se trata de correr atrás de camelô porque os lojistas da cidade estão pressionando).
      A dor causada a milhares de pessoas e a morte de milhares ou milhões de animais ao longo do Rio Doce não foram acidentais. Não foi um desastre natural inevitável. Violência não é apenas o ato deliberado de força mas também os atos invisíveis da incompetência ou má fé judicial, política e administrativa. É preciso nomear claramente esta tragédia. Uma vez que admitimos que o que ocorreu na obra da Samarco (uma parceria da BHP e da Vale) foi um ato de violência – produzida pelo descaso e pela ganância que “deixam morrer” – é preciso identificar os culpados, que, neste caso, são agentes específicos do mercado e das agências controladoras do Estado.
      Não foi acidente. Não foi seleção natural. E a população brasileira não faz parte desse jogo em que se acredita que “os políticos corruptos são reflexo de um povo corrupto”. O taxista de Porto Alegre continua a se indignar, todos os dias. Eu me indigno. Você se indigna. Nós nos sentimos desrespeitados e impotentes.
      As mídias sociais encorajam e nos ajudam a encontrar aqueles outros milhões de perdidos que também não querem esquecer. Não há milagre para romper com esse ciclo de violência estrutural que se perpetua na sociedade brasileira. Podemos contar somente com a mobilização e o engajamento no projeto democrático – que ainda estamos construindo a duras penas, mas de que não desistiremos tão fácil. Por ora, cabe a nós entoar o grito “não foi acidente”, pressionar por medidas reparadoras e acompanhar a sua implementação.

Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nao-foi-acidente-foi-violencia-635.html>. Acesso em: 7 jan. 2016. [Adaptado]

Quanto à linguagem empregada no texto, optou-se por

Alternativas
Comentários
  • Onde está o "registro fomal"? OK, próxima...

  • Não existe registro informal. O texto não possui gírias ou coloquialismos. Gabarito letra C

  • Marquei a letra A por causa dessa passagem " A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita." Os erros de colocação pronominal são caracterizados pela informalidade, o que, para mim, tornou o texto informal.

  • Formal?

  • "Aquele velho empurra-empurra...". Isso é registro formal aonde?! #piada

  • "Aquele velho empurra-empurra...". Isso é registro informal, contudo o que predomina é uma linguagem formal.

  • Um artigo de opinião deve atrair o leitor com uma linguagem formal, mas também com marcas de informalidade que, nesse caso e, de acordo com o que entendo do contexto, busca atingí-lo usando dessas expressões.

     

    As assertivas não dizem PREDOMINANTEMENTE e sim UM TOM de informalidade.

     

    Mais uma vez a COMPERVE deixa a desejar. SEMPRE entre duas alternativas há muita similaridade e, muitas vezes, sendo corretas ambas, confundindo o candidato.

    Discordo do gabarito

    #cansada

  • Péssima questão.

  • Fiquei muito em dúvida e marquei a errada, mas depois de estudar o assunto, entendi que a linguagem é formal, mesmo. Ele até coloca "um registro mais formal" em momento algum está falando que nao tem elementos informais, e o texto está adequado as exigências da situação argumentativa. 

  • Gab.C

    Inicialmente eu errei a questão (escolhi o Gab. A), fui me baseando em algumas figuras de linguagem que a autora utilizou ao longo do texto, tais como: "empurra-empurra; máquina de matar e deixar morrer; obra está ali, já fazendo aniversário" 

     

    Após algumas discussões com colegas, chegamos a conclusão que a "situação" do texto realmente exige um tom mais formal, e que apenas algumas figuras de linguagem não poderiam descaracterizar isso.

     

    Um texto com enfoque na comunicação de acidentes e incidentes que ocorreram em determinados locais, não são "de interesse" geral, poderia ser, mas não é, por isso ele se torna mais restrito/direto e exige um tom mais formal. (que realmente é mais utilizado).

  • Linguagem formal

    A linguagem formal pode ser nomeada também de registro formal. É usada quando não há familiaridade entre os interlocutores da comunicação ou em situações que requerem uma maior seriedade.

    Características da linguagem formal:

    Utilização rigorosa das normas gramaticais (norma culta);

    Pronúncia clara e correta das palavras;

    Utilização de vocabulário rico e diversificado;

    Registro cuidado, prestigiado, complexo e erudito.

    Situações de uso da linguagem formal:

    Em discursos públicos ou políticos;

    Em salas de aula, conferências, palestras, seminários,…;

    Em exames e concursos públicos;

    Em reuniões de trabalho e entrevista de emprego;

    Em documentos oficiais, cartas, requerimentos,…;

    Público-alvo da linguagem formal:

    Superiores hierárquicos;

    Autoridades religiosas, oficiais, políticas,…;

    Público alargado;

    Público desconhecido;

    Linguagem informal

    A linguagem informal pode ser nomeada também de registro informal. É usada quando há familiaridade entre os interlocutores da comunicação ou em situações descontraídas.

    Características da linguagem informal:

    Despreocupação relativamente ao uso de normas gramaticais;

    Utilização de vocabulário simples, expressões populares e coloquialismos;

    Utilização de gírias, palavrões, palavras inventadas, onomatopeias, gestos,…;

    Uso de palavras abreviadas ou contraídas: cê, pra, tá,…;

    Sujeita a variações regionais, culturais e sociais;

    Registro espontâneo e pouco prestigiado, por vezes incorreto e desleixado.

    Situações de uso da linguagem informal:

    Conversas cotidianas;

    Mensagens de celular;

    Chat na Internet;

    Público-alvo da linguagem informal:

    Familiares;

    Amigos;

    Fonte: https://www.normaculta.com.br/linguagem-formal-e-informal/

  • É a segunda vez que respondo essa questão e marquei a mesma alternativa "A".

  • Gente...a dúvida foi cruel entre A e C.