Uma língua, múltiplos falares
No Brasil, convivemos não somente com várias
línguas que resistem, mas também com vários jeitos de
falar. Os mais desavisados podem pensar que os mineiros,
por exemplo, preferem abandonar algumas palavras no
meio do caminho quando perguntam “ôndôtô?” ao invés de
“onde eu estou?”. Igualmente famosos são os “s” dos
cariocas ou o “oxente” dos baianos. Esses sotaques ou
modos de falar resultam da interação da língua com uma
realidade específica, com outras línguas e seus falantes.
Todas as línguas são em si um discurso sobre o
indivíduo que fala, elas o identificam. A língua que eu uso
para dizer quem eu sou já fala sobre mim; é, portanto, um
instrumento de afirmação da identidade.
Desde suas origens, o Brasil tem uma língua
dividida em falares diversos. Mesmo antes da chegada dos
portugueses, o território brasileiro já era multilíngue.
Estimativas de especialistas indicam a presença de cerca
de mil e duzentas línguas faladas pelos povos indígenas. O
português trazido pelo colonizador tampouco era uma
língua homogênea. Havia variações, dependendo da região
de Portugal de onde ele vinha.
Há de se considerar também que a chegada de
falantes de português acontece em diferentes etapas, em
momentos históricos específicos. Na cidade de São Paulo,
por exemplo, temos primeiramente o encontro linguístico de
portugueses com índios e, além dos negros da África,
vieram italianos, japoneses, alemães, árabes, todos com
suas línguas. Daí que na mesma São Paulo podem-se
encontrar modos de falar distintos, como o de Adoniram
Barbosa, que eternizou em suas composições o sotaque
típico de um filho de imigrantes italianos, ou o chamado erre
retroflexo, aquele erre dobrado que, junto com a letra i,
resulta naquele jeito de falar “cairne” e “poirta” característico
do interior de São Paulo.
Independentemente dessas peculiaridades no uso
da língua, o português, no imaginário, une. Na verdade, a
construção das identidades nacionais modernas se baseou
num imaginário de unidade linguística. É daí que surge o
conceito de língua nacional, língua da nação, que
pretensamente une a todos sob uma mesma cultura. Esta
unidade se constitui a partir de instrumentos muito
particulares, como gramáticas e dicionários, e de
instituições como a escola.
No Brasil, hoje, o português é a língua oficial e
também a língua materna da maioria dos brasileiros.
Entretanto, nem sempre foi assim.
Patrícia Mariuzzo.Disponível em:
http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=219.
Acesso em 09/05/2012. Excerto adaptado.
“Estimativas de especialistas indicam a presença de
cerca de mil e duzentas línguas faladas pelos povos
indígenas.” O sentido global desse trecho está mantido
em: