SóProvas


ID
1967515
Banca
CEFET-MG
Órgão
CEFET-MG
Ano
2014
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Não mais do quê

    Houve um momento de areia fina como talco, e esse momento passou. Íamos até a praia de manhã cedo, muito cedo, as crianças, só as crianças e o pai, no Ford preto. Talvez não fosse Ford, mas era preto. E aquela areia nova para mim, menina criada nas pedregosas praias do Mar Adriático, recebia meus pés como uma seda.

    Houve uma primeira fatia de mamão – e pareceu-me ruim –, uma primeira manga – e foi estupenda –, uma primeira noite de verão nos trópicos, com grilos e jasmins, que nunca esquecerei e nunca poderei repetir.

     Houve um primeiro amor na infância, um primeiro amor na adolescência, primeiros amores de juventude. Todo amor é primeiro, porque todo amor é único. E mesmo este meu amor que será o último é, antes de todos, o primeiro.

     Houve um ferralhar de bonde na madrugada, e jovens em traje a rigor saindo dos bailes da formatura no Centro da cidade, e eu entre esses jovens, arrepanhando a longa saia branca para subir no bonde com meu irmão, e voltar para a casa sacudida sobre os trilhos, sentindo nos braços nus o ar ainda quente da noite. Dançar de rosto colado nos bailes era uma possibilidade, e o som da big band uma certeza.

    Houve um momento de prova oral e estudo de latim. Os “pontos” que caíam eram 10, tiravam-se de dentro de um saquinho de pano como se numa loteria doméstica ou num bingo, e feliz era quem tivesse nome como o meu, começando por M, porque quando chegasse nossa vez já sabíamos quais eram as perguntas dos professores. As mais inteligentes iam à prova oral de biquíni por baixo da roupa, porque já tinham passado por média e saíam do colégio direto para a praia.

    Houve o momento em que a primeira morte atravessou-se no caminho, mas, ao contrário do amor, só uma foi primeira, pois só com a primeira aprendi a viver. As outras nada me ensinaram, repetindose iguais, embora diferentes e com diferentes pessoas. Só a primeira me colocou diante da grande interrogação do nada. As seguintes, não mais.

Houve uma primeira embriaguez de réveillon, e foi primeira e última, porque não gostei nem durante, nem depois. Comi pão seco e bebi água no dia 1º, curando ressaca como um santo purga seus pecados. E como um santo não voltei a pecar.

     Houve momentos de férias, e dias inteiros passados entre sol e sal, para depois entregar o corpo à mansidão da água doce como se mergulha na tina o ferro em brasa. Havia andorinhas pousadas nas cornijas daqueles verões, e a água do mergulho era sempre mais fria embaixo do que em cima.

Houve uma lassidão que só a ausência de aulas permitia, um sono do corpo estendido em areia ou pedra, um hibernar ao contrário, olhos entrefechados, e o mar cintilando entre os cílios. Depois, nadar, nadar, nadar.

    Houve essa outra cidade, esse outro corpo, esse outro espaço de verão. Agora, já não há. E é justo assim. O que era vazio foi tomado pela multidão, o que era elástico foi domado pelo desgaste, os trilhos de bonde dormem debaixo do asfalto, as bocas do metrô emergem nas calçadas, e, se não há mais andorinhas no verão, tampouco há cornijas.

    Um ano veio e se foi, assim como se foi a areia de seda. O próximo ano chega e o recebemos, expectantes, manga nunca provada. Todo momento passa e é só um momento. Nem os carros são todos pretos, nem a vida é mais do que momentos.

Colasanti, Marina. In: Estado de Minas, 02 de janeiro de 2014.

A perspectiva da narradora, no texto, indica um(a)

Alternativas
Comentários
  • Tem uma postura romântica no 3º parágrafo, mas prevelece o equilíbrio.

  • Ela fala muito do amor em alguns momentos, mas depois ela permace equilibrada, por acreditar que amanhã vai ser melhor, otimista com a realidade. 

     

  • Muito subjetivo. Pra mim o romantismo dela e a ternura com q fala dos momentos prevalecem no texto.

  • Não concordo com esta questão... o que seria o "equilíbrio" ?!

  • Para mim a resposta mais correta seria a letra C: postura romântica

  • Também achei estranho essa "personalidade equilibrada". Ela fala o tempo todo de nostalgia. Tem mais coerência o romantismo neste texto.

  • Revendo essa questão pela segunda vez, entendi a postura da banca. A narradora vem falando de romantismo até no penúltimo parágrafo. A partir daí ela deixa a postura nostálgica e concorda que os tempos mudaram e é justo que seja assim. O penúltimo e o último parágrafo expressam a ideia de que tudo muda e vida segue. Isso representa o equilíbrio, ao passo que uma postura 100% romântica não se conformaria com a mudança. Acredito que devemos tentar entender a banca, pois nas próximas provas, ela tenderá a seguir o mesmo raciocínio.

  • eu fui de C romantismo, mas vamos lá estudar a banca né

    gabarito D

  • Meuuuuu Deussss que loucura é essa gente !!!!