- ID
- 1971709
- Banca
- CRS - PMMG
- Órgão
- PM-MG
- Ano
- 2010
- Provas
- Disciplina
- Português
- Assuntos
Lista suja, justiça lenta
A maré do “mata e esfola” inunda a sociedade global. Nos Estados Unidos, o Patriot Act e
Guantánamo dispensariam comentários, não fosse dolorosa a vitória conquistada sobre o sonho dos
Founding Fathers pelos muy amigos das liberdades. Na Europa, os regimes de Sarkozy e Berlusconi
tratam de criminalizar não só os imigrantes, mas também os turistas. O prefeito de Roma,
declaradamente fascista, proibiu os visitantes de falar alto e mastigar nas ruas da Cidade Eterna.
Enquanto isso, os policiais encarregados da vigilância dos aeroportos da Espanha e de Israel
capricham na exteriorização do preconceito e da paranóia.
O cabedal tupiniquim de arreganhos e truculências recebeu grossa contribuição da
Associação dos Magistrados Brasileiros - seja qual for o sentido da palavra “grossa”. A “lista suja” de
candidatos subverte o princípio constitucional da inocência do cidadão até a sua condenação
definitiva. O espírito do tempo contaminou o espírito dos juizes brasileiros. O presidente do sodalício
de meritíssimos explica ao distinto público que a lista não é um “juízo de valor”, senão preciosa e
indispensável informação para um eleitorado notoriamente incapaz de discernir entre ladravazes e
homens de bem.
Os brasileiros estão diante de um caso de esquizofrenia: enquanto membros de uma
agremiação corporativa, os nobres magistrados se imaginam cidadãos comuns, despidos das togas.
Tão comuns esses cidadãos que, presumo, estejam decididos a dispensar as prerrogativas da
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos. Atarraxada a persona cidadã (sic) e
corporativista, os juizes sentem-se à vontade para trucidar um dos princípios que conferem
legitimidade às suas funções.
Ironicamente, a lista dos magistrados é um libelo à ineficiência do Judiciário brasileiro, encalacrado na
lentidão da prestação jurisdicional. Dez a quinze anos é o prazo para uma decisão definitiva. O Estado
tem não só o direito, mas o dever de acusar e condenar tempestivamente os que burlam a lei. Só os
regimes totalitários ou autoritários podem manter, indefinidamente, sob o guante da incerteza, tanto o
cidadão acusado quanto a sociedade que exige a reparação do crime.
Imagino que depois da iniciativa insensata, os juizes que pertencem à Associação dos
Magistrados Brasileiros terão o cuidado de arguir a própria suspeição, caso estejam envolvidos nos
processos que examinam acusações contra os “listados”. Provavelmente com o propósito de acalmar
os ânimos, os magistrados avisam que no rol dos sugismundos serão incluídos apenas os
processados por iniciativa do Ministério Público. “Ah, bom, então estamos salvos”, exclamaria Poliana.
A Constituição de 1988, de muitas virtudes democráticas, facilitou o protagonismo dos
funcionários do Estado que detêm a nobre e perigosa prerrogativa de acusar. Sem prestar contas a
ninguém - sem limites nem sanção - os mais afoitos e imaturos apresentam a síndrome de Charles
Bronson. Na ausência do contrapeso da responsabilização pela denúncia infundada, atiram em todas
as direções.
Quem tem poder ilimitado vai usá-lo ilimitadamente. É incorreto e obtuso generalizar, mas no
mundo jurídico e fora dele há quem se espante com essa aliança entre a imaturidade e o
protagonismo, não fosse ela marca registrada da vitória da celebridade sobre a competência, num país
de tradição autoritária e escravocrata.
É a partir dessa condição uterina, partilhada por jornalistas de copa e cozinha, que imaginam
prestar serviço à justiça social e à democracia. Nem sequer desconfiam dos custos e sacrifícios da
luta pelo Estado de Direito contra a ditadura - injustamente chamada de militar - engendrada pelo
contubérnio entre o coronelato das cidades e do campo, a desorientação das classes médias e os
interesses dos Estados Unidos. Nas últimas semanas, a reprodução eletrônica da Marcha com Deus
pela Família e pela Liberdade está à disposição na internet. Os manifestantes clamam pela volta do
regime de exceção. Só falta acorrerem às ruas com seus tacapes.
Os jovens do parquet alegam em suas frequentes manifestações midiáticas que pretendem
proteger a sociedade contra a ação dos malfeitores. Basta que exerçam sua função primordial, a de
fiscalizar o cumprimento da lei, não importa a cor do colarinho. A consequência dos desmandos
ministeriais está escancarada nos milhares de processos inquinados de nulidade processual e
naqueles nem sequer iniciados por conta de denúncias ineptas.
Com a publicação da lista dos “sujos”, os juizes desempenham o papel que os delatores
privados cumpriam no Império Romano. Os delatores serviam para dirimir as disputas políticas entre
os senadores e as contumélias entre os ambiciosos aspirantes ao poder e os favoritos do imperador
de turno.
Disponível em: < httD://www.cartacaDÍtal.com.br/aDD/coluna.isp?a=2&a2=5&i=1670>
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