SóProvas


ID
2014063
Banca
COSEAC
Órgão
Prefeitura de Niterói - RJ
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Parte II: Literatura Brasileira 

Texto 1

    Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

    Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava – uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: – “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado”.

(ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Companhia José Aguilar Editora, 1971, volume I, p. 513-514.)

Texto 2

    Resolvo-me a contar, depois de muita hesitação, casos passados há dez anos – e, antes de começar, digo os motivos por que silenciei e por que me decido. Não conservo notas: algumas que tomei foram inutilizadas, e assim, com o decorrer do tempo, ia-me parecendo cada vez mais difícil, quase impossível, redigir esta narrativa. Além disso, julgando a matéria superior às minhas forças, esperei que outros mais aptos se ocupassem dela. Não vai aqui falsa modéstia, como adiante se verá. Também me afligiu a ideia de jogar no papel criaturas vivas, sem disfarces, com os nomes que têm no registro civil. Repugnava-me deformá-las, dar-lhes pseudônimo, fazer do livro uma espécie de romance; mas teria eu o direito de utilizá-las em história presumivelmente verdadeira? Que diriam elas se se vissem impressas, realizando atos esquecidos, repetindo palavras contestáveis e obliteradas?

    (...) Certos escritores se desculpam de não haverem forjado coisas excelentes por falta de liberdade − talvez ingênuo recurso de justificar inépcia ou preguiça. Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer.

(RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. São Paulo: Record, 1996, volume I, p. 33-34.)

Observe as afirmativas a seguir, em relação à leitura comparativa dos textos de Machado de Assis e Graciliano Ramos.

I Ambos exploram a metalinguagem, ou seja, refletem sobre o próprio ato de escrever.

II A narrativa machadiana subverte a lógica da verossimilhança narrativa.

III O texto de Graciliano Ramos privilegia a memória individual como única fonte de criação.

Das afirmativas acima:

Alternativas
Comentários
  • Gabarito D

    Os textos se explicam como foram feitos.

  • Não entendi por que a alternativa III está incorreta.......Alguém?

     

    Editado em 29/12/2017: @Márcio Meireles, obrigada! Faz-me sentido sua explicação.

  • Camila FocoForçaFé

     

    Acredito que no 1º parágrafo venha essa explicação, veja: " Resolvo-me a contar, depois de muita hesitação, casos passados há dez anos – e, antes de começar, digo os motivos por que silenciei e por que me decido. Não conservo notas: algumas que tomei foram inutilizadas, e assim, com o decorrer do tempo, ia-me parecendo cada vez mais difícil, quase impossível, redigir esta narrativa."

     

    Ele diz que "não conserva notas" = anotações.

    "algumas que tomei foram inutilizadas" = de que adiantaria guardar anotações, se estas são inutilizadas, provavelmente pelo tempo.

    "e assim (conjunção conclusiva), com o decorrer do tempo, ia-me parecendo cada vez mais difícil, quase impossível, redigir esta narrativa." = pensando em utilizar-se da memória individual, constatava que era "mais difícil, quase impossível, redigir esta narrativa"

     

  • Metalinguagem é a linguagem que descreve sobre ela mesma. Ou seja, ela utiliza o próprio código para explicá-lo.

     

    Exemplo de metalinguagem nas artes visuais

    Vale lembrar que utilizamos muito a metalinguagem no cotidiano. Quando perguntamos o significado de determinada palavra estamos usando a função metalinguística.

    Além disso, ela é usada no cinema, nas artes visuais, na literatura, na publicidade, etc.

     

    Exemplos de Metalinguagem

     

    o autorretrato de um fotógrafo;

    a foto de uma câmera nas propagandas publicitárias;

    a pintura de um artista pintando;

    o filme que descreve sobre o cinema;

    o texto que fala da escrita;

    o desenho de alguém desenhando.

     

    Outros exemplos notórios são as gramáticas e os dicionários que explicam o código linguístico e suas regras por meio da própria linguagem.

  • I Ambos exploram a metalinguagem, ou seja, refletem sobre o próprio ato de escrever. (Reparem, 1 texto: Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte). Após o "isto é" vem a explicação, caracterizando metalinguagem. No texto dois ele também fala sobre o processo de criação de um texto, também caracterizando metalinguagem.

    II A narrativa machadiana subverte a lógica da verossimilhança narrativa. (Subverte a lógica pois faz justamente o contrário do que costumamos ver nas narrativas). Ele começa o texto pelo que deveria ser o final, por sua morte.

    estudar até passar!