SóProvas


ID
2157373
Banca
UNISUL
Órgão
Prefeitura de Biguaçu - SC
Ano
2016
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(Do livro "Eu sei, mas não devia", Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1996, p.9). 

Todo texto utiliza-se de recursos para enfatizar a intenção (ou intenções) de quem o escreve. Portanto, quanto à “função de linguagem” predominante nesse texto, temos:

Alternativas
Comentários
  • 1.  Emotiva - Expressiva - Emissor:

    Evidência à primeira pessoa (enunciador). A intenção é destacar o emissor (ou falante, ou locutor).

     

    Tem por finalidade transmitir emoções. Usa sinais de exclamação, de interrogação e reticências

     

    Tem por finalidade transmitir emoções. Usa sinais de exclamação, de interrogação e reticências.

     

    As principais marcas são verbos e pronomes na 1º pessoa, a adjetivação e a escolha do vocabulário, sobretudo dos advérbios.

     

     

    Passa para o texto marcas de atitudes pessoais como emoções, opiniões, avaliações. Na função expressiva, o emissor ou destinador é o produtor da mensagem. O produtor mostra que está presente no texto mostrando aos olhos de todos os seus pensamentos.

  • O.O não acreditei que a resposta era letra D mesmo 

  • Função poética

    # Uso de metáfora

    # Brinca com as palavras

    # Gera a ideia de mundo novo

    # Sempre em forma de mensagem

     

  • ''a gente se acostuma...'' esse termo é como se fosse um lamento para o emissor, ou seja, sendo uma emoção.

  • A ideia expressa centra-se no “Eu” (1ª pessoa), revelando sua emoção ou sua opinião.

  • Função emotiva ou expressiva ocorre quando predomina a primeira pessoa do singular,ou seja "eu"

  • ...

    LETRA D - CORRETASegundo o professor Martino Agnaldo ( in Português esquematizado: gramática, interpretação de texto, redação oficial, redação discursiva. 3 Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 322):

     

     

    Função emotiva (ou expressiva)

     

     

     

    O objetivo do emissor é transmitir suas emoções e anseios. A realidade é transmitida sob o ponto de vista do emissor, a mensagem é subjetiva e centrada no emissor e, portanto, apresenta­-se na primeira pessoa. A pontuação (ponto de exclamação, interrogação e reticências) é uma característica da função emotiva, pois transmite a subjetividade da mensagem e reforça a entonação emotiva. Essa função é comum em poemas ou narrativas de teor dramático ou romântico.” (Grifamos)

     

     

    Ainda o professor Fernando Pestana ( in A gramática para concursos públicos. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. Pag. 1131):

     

     

    “Função Emotiva (Expressiva)

     

    ·         o “eu” do texto é o centro da mensagem, na qual ele destaca seus próprios sentimentos, expressa suas emoções, impressões, atitudes, expectativas etc.;

     

    ·         é um texto pessoal, cercado de subjetividade;

     

    ·         algumas marcas gramaticais indicam que tal função é a predominante no texto: verbos e pronomes de 1ª pessoa, frases exclamativas, certas interjeições, vocativos, reticências, termos e expressões modalizadoras etc.;

     

    ·         é a linguagem das músicas românticas, dos poemas líricos e afins.” (Grifamos)

  • Tantos comentários, mas nenhum ajuda.

  • Gente, fiquei com muita dúvida na hora de considerar a função predominante nesse texto. Ela expressa emoções, angústias, sentimentos e subjetividades, mas não está na primeira pessoa, como a figura emotiva determina. Por outro lado, na função poética, o emissor preocupa-se de que maneira a mensagem será transmitida por meio da escolha das palavras, das expressões, das figuras de linguagem. Além disso, esse tipo de função não pertence somente aos textos literários, já que aparece também na publicidade ou nas expressões cotidianas em que há o uso frequente de metáforas (provérbios, anedotas, trocadilhos, músicas).

    Então: Emotiva (sem a 1ª pessoa) ou poética (mesmo sem estar numa poesia)?

     

  • 1) Função Referencial ou Denotativa

    Palavra-chave: referente

    Transmite uma informação objetiva sobre a realidade. Dá prioridade aos dados concretos, fatos e circunstâncias. É a linguagem característica das notícias de jornal, do discurso científico e de qualquer exposição de conceitos. Coloca em evidência o referente, ou seja, o assunto ao qual a mensagem se refere.

    Exemplo:

    Numa cesta de vime temos um cacho de uvas, uma maçã, uma laranja, uma banana e um morango. (Este texto informa o que há dentro da cesta, logo, há função referencial). 
                 

    2) Função Expressiva ou Emotiva -  emissor

    Reflete o estado de ânimo do emissor, os seus sentimentos e emoções. Um dos indicadores da função emotiva num texto é a presença de interjeições e de alguns sinais de pontuação, como as reticências e o ponto de exclamação.

    a) Ah, que coisa boa!

    b) Tenho um pouco de medo...

    c) Nós te amamos!

     

    3) Função Apelativa ou Conativa -  receptor

    Seu objetivo é influenciar o receptor ou destinatário, com a intenção de convencê-lo de algo ou dar-lhe ordens. Como o emissor se dirige ao receptor, é comum o uso de tu e você, ou o nome da pessoa, além dos vocativos e imperativo. É a linguagem usada nos discursos, sermões e propagandas que se dirigem diretamente ao consumidor.

    a) Você já tomou banho?

    b) Mãe, vem cá!

    c) Não perca esta promoção!

     

    4) Função Poética  -  mensagem

    É aquela que põe em evidência a forma da mensagem, ou seja, que se preocupa mais em como dizer do que com o que dizer. O escritor, por exemplo, procura fugir das formas habituais e expressão, buscando deixar mais bonito o seu texto, surpreender, fugir da lógica ou provocar um efeito humorístico. Embora seja própria da obra literária, a função poética não é exclusiva da poesia nem da literatura em geral, pois se encontra com frequência nas expressões cotidianas de valor metafórico e na publicidade.

    a)  “... a lua era um desparrame de prata”.
    (Jorge Amado)

     b) Em tempos de turbulência, voe com   fundos de renda fixa. 

     

    5) Função Fática 

    Palavra-chave: canal

    Tem por finalidade estabelecer, prolongar ou interromper a comunicação. É aplicada em situações em que o mais importante não é o que se fala, nem como se fala, mas sim o contato entre o emissor e o receptor. Fática quer dizer "relativa ao fato", ao que está ocorrendo. Aparece geralmente nas fórmulas de cumprimento: 

    Como vai, tudo certo?

     

    6) Função Metalinguística: código

    Esta função refere-se à metalinguagem, que ocorre quando o emissor explica um código usando o próprio código. É a poesia que fala da poesia, da sua função e do poeta, um texto que comenta outro texto. As gramáticas e os dicionários são exemplos de metalinguagem.

     

    Frase é qualquer enunciado linguístico com sentido acabado.

     

     

  • Melhor texto que já vi em questões de provas, vale a pena ler...