SóProvas


ID
2181991
Banca
COPEVE-UFAL
Órgão
IF-AL
Ano
2011
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

      “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.

      A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranquilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

      Boa Conceição! Chamavam-lhe “a santa”, e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

      Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver a missa do galo na Corte. A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.”

                                                                       Machado de Assis, Missa do Galo.

Quanto à compreensão geral do texto e aos elementos que compõem a narrativa, verifique as seguintes asserções:

I. O foco narrativo é de terceira pessoa e o narrador é onisciente, pois implica uma visão mais distanciada da narrativa, já que ele (o narrador) nos informa sobre o estado de espírito das personagens, seus sentimentos, intenções e pensamentos.

II. O narrador é em primeira pessoa, cujo indício formal é dado não apenas pela flexão dos verbos e pronomes (pude, tive, contava eu...) como também pela observação de que ele é uma personagem da narrativa.

III. O narrador-protagonista cria, no presente da narrativa, um espaço de reflexão para que, por meio da reconstrução dos acontecimentos, o homem de hoje entenda o que se passou com o jovem de ontem.

IV. O narrador em primeira pessoa nos informa sobre o juízo que ele faz sobre as demais personagens e acontecimentos do texto. Portanto, ter consciência de que estamos tomando contato com uma história através do olhar particularizado do narrador é importante.

V. O narrador-protagonista é uma personagem secundária da sua própria narrativa, pelo fato de ele contar uma história que testemunhou, mas que está centrada em outra personagem.

São corretas

Alternativas
Comentários
  • Gabarito D

    Narrador personagem: além de contar a história em primeira pessoa, faz parte dela, sendo por isso chamado de personagem. É marcado por características subjetivas, opiniões em relação aos fatos ocorridos, sendo assim uma narrativa parcial, já que não se pode enxergar nenhum outro ângulo de visão. A narrativa é dotada de características emocionais daquele que narra. Esse tipo de personagem tem visão limitada dos fatos, de modo que isso pode causar um clima de suspense na narrativa. O leitor vai fazendo suas descobertas ao longo da história junto com a personagem.

    Narrador-protagonista: o narrador é a personagem principal da história. Todos os acontecimentos giram em torno de si mesmo, e por isso a narrativa é a mais impregnada de subjetividade. O leitor é induzido a compartilhar dos sentimentos de satisfação ou insatisfação vividos pela personagem, o que dificulta ainda mais a visão geral da história.

    Narrador onisciente: É aquele que sabe de tudo. Há vários tipos de narrador onisciente, mas podemos dizer que são chamados assim porque conhecem todos os aspectos da história e de seus personagens. Pode por exemplo descrever sentimentos e pensamentos das personagens, assim como pode descrever coisas que acontecem em dois locais ao mesmo tempo.

     

  • Mais uma questão feita por eliminação, não sei nada sobre tipos de narrador, mas da pra resolver a questão pela flexão dos verbos, e por outros fatores:


    I. O foco narrativo é de terceira pessoa ( primeira pessoa (“Nunca pude entender") Eu nunca pude...

    II. O narrador é em primeira pessoa (essa responde a de cima) " (pude, tive, contava eu...)"

    III. Nem analisei...

    IV. O narrador em primeira... Tbm não analizei, fiz por eliminação

    V. O narrador-protagonista é uma personagem (NÃO, "   A casa em que eu estava hospedado")

    Resposta D