Texto 1
Clonagem de textos
A internet aproxima amigos e divulga informação:
só é nociva à medida que as pessoas são, elas próprias,
nocivas. Infelizmente, uma destas nocividades tem se
manifestado em forma de desrespeito ao direito autoral.
Circula pela internet um texto meu sobre saudade,
chamado A dor que dói mais, publicado no site Almas
Gêmeas e no meu livro Trem-bala, assinado por Miguel
Falabella, inclusive com uns enxertos vulgares, licençapoética
que o “co-autor”, seja ele quem for, se permitiu.
Também andou circulando um texto meu chamado As
razões que o amor desconhece, desta vez creditado
a Roberto Freire. No dia Internacional da Mulher, a
apresentadora Olga Bongiovanni, da TV Bandeirantes,
leu no ar o meu texto O mulherão, e em seguida o
disponibilizou no site do programa, onde pude constatar
alguns parágrafos adicionados por algum outro co-autor
ávido por fazer sua singela contribuição. A produção
corrigiu o erro assim que foi avisada. Quem controla isso?
Imagino que essa apropriação indevida venha
lesando diversos outros cronistas, que por dever de ofício
produzem textos diariamente, tornando-se inviável o
registro de cada um deles. A fiscalização fica por conta do
leitor, que, conhecendo o estilo do escritor, pode detectar
sua autenticidade.
Não chega a ser um crime hediondo e também não
é novo. Credita-se a Borges um texto sobre como ele viveria
se pudesse nascer de novo, que os estudiosos da sua obra
negam a autoria, e Gabriel García Marques, pouco tempo
atrás, teve que desmentir ser ele o autor de um manifesto
meloso que andou circulando entre os internautas. Luis
Fernando Veríssimo também andou negando a autoria de
um texto sobre drogas, que assinaram com se fosse dele.
Todas as pessoas que escrevem estão e sempre estiveram
vulneráveis a esses enganos, involuntários ou não, mas
não há dúvida de que a internet, pela facilidade e rapidez
de divulgação de e-mails, massificou a rapinagem.
Perde com isso, primeiramente, o autor, que vive
de seu trabalho e que fica à mercê de ter suas palavras e
pensamentos transferidos para outro nome, ou, pior ainda,
adulterados: não são poucos os que acrescentam sua própria
ideia ao texto e mantêm o nome do autor verdadeiro, pouco
se importando em corromper a legitimidade da obra. E
perde também o leitor, que é enganado na sua crença e que
poderá vir a passar por desinformado. Viva a internet, mas
que os gatunos virtuais tratem de produzir eles mesmos
suas próprias verdades.
Março de 2001
(MEDEIROS, Martha. Non-stop - Crônicas do cotidiano.
7ª edição. Porto Alegre: L&PM, 2007. p. 187-188.)
A crônica de Martha Medeiros apresenta o predomínio
da seguinte função da linguagem: