Os textos a seguir serão a base da questão objetiva.
Recado dado ao STF
Editorial Folha de S.Paulo, 13 set. 2016
Poucas vezes a posse de um presidente do
Supremo Tribunal Federal se revestiu de tanto
simbolismo quanto a de Cármen Lúcia, cuja
chegada ao comando do órgão de cúpula do
Judiciário se consumou nesta segunda-feira (12).
Em uma cerimônia simples, a ministra quebrou
o protocolo já no início de seu discurso. Em vez de
cumprimentar primeiro o presidente da República,
Michel Temer (PMDB), Cármen Lúcia considerou
que a maior autoridade presente era "Sua
Excelência, o povo" – e, por isso, saudou antes de
todos o "cidadão brasileiro".
Partisse de outrem, o gesto talvez pudesse ser
considerado mero populismo; vindo da nova
presidente do STF, guarda coerência com outras
iniciativas de valor simbólico semelhante, como
abrir mão de carro oficial com motorista ou
dispensar a festa em sua própria posse.
Como se pudesse haver dúvidas a respeito
disso, Cármen Lúcia deixa clara a intenção de, no
próximo biênio, conduzir o STF com a mesma
austeridade que pauta sua conduta pessoal.
"Privilégios são incompatíveis com a República",
disse a esta Folha no ano passado.
É de imaginar, assim, que a nova presidente de
fato reveja uma das principais bandeiras da agenda
corporativista de seu antecessor, Ricardo
Lewandowski: o indefensável aumento salarial para
os ministros do Supremo.
Não há de ser esse o único contraste entre as
gestões. Espera-se que Cármen Lúcia moralize os
gastos com diárias de viagens oficiais no STF, amplie
a transparência e a previsibilidade das decisões do
Judiciário e, acima de tudo, resgate o papel
disciplinar do Conselho Nacional de Justiça,
esvaziado sob a batuta de Lewandowski.
Desfrutando de sólida reputação no meio jurídico,
a ministra suscita altas expectativas ainda por outro
motivo: ela relatou o processo do ex-deputado federal
Natan Donadon, condenado por desvio de dinheiro
público e primeiro político a ter sua prisão
determinada pelo STF desde a promulgação da
Constituição de 1988.
Daí por que o ministro Celso de Mello se sentiu à
vontade para, antes do discurso de Cármen Lúcia,
proferir palavras duríssimas contra "os marginais da
República, cuja atuação criminosa tem o efeito
deletério de subverter a dignidade da função política
e da própria atividade governamental".
No plenário do Supremo, diversos figurões da
política investigados ou processados por crimes
contra o patrimônio público apenas ouviam,
constrangidos. Que o recado da gestão Cármen
Lúcia possa ir além do plano simbólico.
De Caetano a Guimarães Rosa, veja as referências de Cármen Lúcia
em seu discurso de posse
POR LUMA POLETTI | 13/09/2016 10:00
Ao longo de seu discurso de posse, a ministra
Cármen Lúcia, que assumiu a presidência do Supremo
Tribunal Federal nesta segunda-feira (12), citou
trechos de canções de Caetano Veloso, Titãs, além de
versos de Cecília Meirelles, Carlos Drummond de
Andrade, Paulo Mendes Campos e fez menção a
Riobaldo, personagem de Grande Sertão: Veredas,
clássico de Guimarães Rosa e uma das mais.
A escolha das referências musicais da ministra dá
pistas sobre sua visão acerca do atual momento
sociopolítico. Citando o cantor e compositor Caetano
Veloso, presente na sessão – que interpretou em voz e
violão o hino nacional – Cármen Lúcia concordou que
“alguma coisa está fora da ordem”.
“Caetanos e não caetanos deste Brasil tão plural
concluem em uníssono: alguma coisa está fora de
ordem, fora da nova ordem mundial”, disse a ministra. “O
que nos cumpre, a nós servidores públicos em especial,
é questionar e achar resposta: de qual ordem está tudo
fora…”, acrescentou.
O cantor já se posicionou contra o governo do
presidente Michel Temer, nos bastidores da cerimônia de abertura das Olimpíadas de 2016.
A nova presidente do STF também citou a música
“Comida”, da banda Titãs. “Cumpre-nos dedicar-nos de
forma intransigente e integral a dar cobro ao que nos é
determinado pela Constituição da República e que de
nós é esperado pelo cidadão brasileiro, o qual quer
saúde, educação, trabalho, sossego para andar em paz
por ruas, estradas do país e trilhas livres para poder
sonhar além do mais. Que, como na fala do poeta da
música popular brasileira, ninguém quer só comida, quer
também diversão e arte”.
Um dos compositores da canção citada é Arnaldo
Antunes, que também se posicionou contra o
impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais.
Versos
Cármen Lúcia também citou versos da escritora
Cecília Meireles, ao dizer que “liberdade é um sonho que
o mundo inteiro alimenta” – da obra Romanceiro da
Inconfidência, lançada em 1953.
“Se, no verso de Cecília Meireles, a liberdade é um
sonho, que o mundo inteiro alimenta, parece-me ser a Justiça um sentimento, que a humanidade inteira
acalenta”, discursou a ministra.
Mais adiante em seu discurso, Cármen Lúcia fez
menção a um personagem do livro Grande Sertão:
Veredas, do escritor mineiro (tal como a ministra)
Guimarães Rosa. “Riobaldo afirmava que 'natureza da
gente não cabe em nenhuma certeza'. Mas parece-me
que a natureza da gente não se aguenta em tantas
incertezas. Especialmente quando o incerto é a Justiça
que se pede e que se espera do Estado”, disse a nova
presidente do STF.
Em seguida, outro escritor mineiro foi lembrado por
Cármen Lúcia. “Em tempos cujo nome é tumulto escrito
em pedra, como diria Drummond, os desafios são
maiores. Ser difícil não significa ser impossível. De resto,
não acho que para o ser humano exista, na vida, o
impossível”, disse a ministra, em referência ao poema
“Nosso tempo”, do escritor mineiro.
A sucessora de Ricardo Lewandowski concluiu o
discurso citando um terceiro escritor mineiro: Paulo
Mendes Campos. “O Judiciário brasileiro sabe dos seus
compromissos e de suas responsabilidades. Em tempo
de dores multiplicadas, há que se multiplicarem também
as esperanças, à maneira da lição de Paulo Mendes
Campos”, disse Cármen Lúcia, em referência ao “Poema
Didático”, de Paulo Mendes Campos.
Disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/de-caetano-a-guimaraes-rosa-vejaas-referencias-de-carmen-lucia-em-seu-discurso-de-posse/
. Acesso em: 26 set.2016.
[Adaptado]
Pela leitura do texto, infere-se que a expressão "mero
populismo”, empregada no terceiro parágrafo, significa