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ID
2297983
Banca
PM-MG
Órgão
PM-MG
Ano
2017
Provas
Disciplina
Português
Assuntos

PARA QUE A EXISTÊNCIA VALHA A PENA…

Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade, embora pareça que ainda estamos vivos.

Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.

Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.

Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: “Parar pra pensar, nem pensar! ”

O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.

Sem ter programado, a gente para pra pensar.

Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.

Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.

Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.

Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.

Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.

Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos. Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.

Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.

Parece fácil: “escrever a respeito das coisas é fácil”, já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.

Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.

Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas, mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade. Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.

E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.

LUFT, Lia. Disponível em http://www.viva50.com.br/para-que-a-existencia-valha-a-pena-texto-de-lya-luft/. Acesso em: 18 out. 2016.

Lia Luft, a autora do texto, apresenta suas ideias de modo simples e claro, assim, convida o leitor a:

Alternativas
Comentários
  • questao boa.

    texto grande!

     

  • GAB A. 

    TEXTO MUITO BEM ELABORANDO, ONDE A AUTORA FALA SOBRE: SE CONHECER MELHOR, E SE PREPARAR PARA POSICIONAR DE MODO INTELIGENTE NAS QUESTÕES COTIDIANAS DA VIDA.

  • Lia Luft, a autora do texto, apresenta suas ideias de modo simples e claro, assim, convida o leitor (...).

  • De "simples e claro" não tem nada.
  • a) Se conhecer melhor, e se preparar para posicionar de modo inteligente nas questões cotidianas da vida. CERTO- "Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada." e " Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar". Ou seja, devemos nos conhecer e ,após pararmos para pensar, questionar aquilo que realmente valha pena ser questionado. Às vezes temos que aceitar certas imposições da vida como nossas obrigações  "E com as obrigações também, é claro,". Assim, de forma inteligente, você levará a vida, sem sair se rebelando com tudo, mas também não sendo passivo demais.

    b) Questionar tudo o que ouvimos, porque ninguém pode ser “vaquinha de presépio”, é preciso repensar sempre. ERRADO, pois o texto não fala para questionarmos tudo. "Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas..." , ou seja, não é pra questionar tudo, não é pra virar um rebelde total.

    c) Simplesmente não se importar com as opiniões alheias, pois elas não afetam de fato. - ERRADO- o texto não fala nem dá a entender isso em nenhum momento.

    d) Participar com ela de uma revolução, sair do “lugar comum”, pois não se pode aceitar imposição alguma, sem antes levar em conta as convicções pessoais, que por si só, já são plenas. ERRADO- Na minha opinião, o que torna a alternativa errada é que nossas convicções não são , por si só, plenas. E é justamente isso que o texto busca dizer. Se nossas convicções forem plenas/absolutas, isso não permitiria reiventarmos, paramos para pensar e mudar. Pode-se observar nesses trechos "é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar." "somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual".

    Questão muito difícil, mas espero que minha explicação ajude.

    Bons Estudos!

  • Agora, imagina ler esse texto no dia da prova, com toda a pressão do momento kkkkkk

    De simples e claro não tem nada

  • texto chata da por...